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Um novo 7 a 1

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Editorial, Gazeta do Povo

Banco Central revisa suas previsões de crescimento, que continuará baixo, e de inflação, que seguirá alta: uma combinação terrível para o país

Assim que terminou a Copa do Mundo, a presidente Dilma Rousseff se apressou para tripudiar sobre aqueles que haviam feito previsões pessimistas a respeito da realização do evento no Brasil, já que, de fato, não houve o desastre temido. Em várias outras ocasiões, ela também criticou o pessimismo em relação à economia brasileira, mas esse está se mostrando um jogo bem mais difícil de virar. Cada novo dado e cada nova previsão soam como um gol a mais do adversário, enquanto o relógio corre, veloz, dando cada vez menos tempo para a recuperação.

Desta vez, não se trata de previsões de analistas ou do mercado internacional, dos “loiros de olhos azuis” que, na expressão do ex-presidente Lula, causaram e fomentaram a crise internacional: é o próprio governo que toca o alarme. O Boletim Focus, divulgado na segunda-feira pelo Banco Central, reduziu a estimativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, de 1,05% (o que já é razoavelmente medíocre) para 0,97%. O Ministério da Fazenda, muito mais otimista, também reviu para baixo suas expectativas: em vez de 2,5%, o Brasil deve crescer 1,8% neste ano. Em comparação com o dado do BC, até que não parece tão ruim assim, mas sempre é bom lembrar que as habilidades de previsão de Guido Mantega e sua equipe já se tornaram piada até mesmo na imprensa internacional.

Como mostrou a Gazeta do Povo de ontem, caso a previsão do BC se mostre acertada, Dilma terminará seu mandato com o pior desempenho médio entre os últimos presidentes. O crescimento médio de 1,8% ao ano seria mais fraco apenas que a queda de 1,3% na época de Fernando Collor – o que faria de Dilma a presidente com o pior crescimento médio desde a estabilização promovida pelo Plano Real.

Mas, ao contrário das épocas de bonança, em que o governo toma para si todos os méritos, quando a situação piora Dilma tira o corpo fora e coloca a culpa na crise internacional, como tem feito em praticamente toda entrevista que vem concedendo a veículos estrangeiros de imprensa. Mas a presidente não explica como, então, outros emergentes devem crescer tanto ou mais que o Brasil em 2014: segundo a versão mais recente do World Economic Outlook, do Fundo Monetário Internacional, publicada em abril (uma atualização está prevista para hoje), o Brasil cresceria 1,8%. Considerando apenas os Brics, o país ficaria apenas à frente da Rússia (1,3%), mas atrás da China (7,5%), da Índia (5,4%) e da África do Sul (2,3%). E, por fim, o Brasil ainda estaria abaixo da média mundial (3,6%) e dos próprios emergentes (4,9%).

E antes nosso problema fosse apenas o baixo crescimento: o mesmo Boletim Focus que coloca o crescimento do PIB abaixo de 1% em 2014 também prevê uma inflação perigosamente perto do teto da meta, com 6,44% neste ano, o que torna surreal uma afirmação feita por Lula na terça-feira: “Estabelecemos a meta de 4,5% e cumprimos. Ou seja, é plenamente possível manter 12 anos, como nós mantemos”, disse. Na verdade, nos 11 anos completos com o PT no Planalto, o IPCA esteve abaixo do centro da meta apenas três vezes (2006, 2007 e 2009). Em 2005, ficou a meio caminho entre o centro e o teto da meta. E, em todos os demais anos, ou a inflação ficou mais perto do teto que do centro da meta, ou estourou o teto, como em 2003 (em 2011 só o arredondamento impediu que o limite máximo fosse novamente superado). Se considerarmos que ainda há preços represados única e exclusivamente graças a políticas governamentais, as perspectivas para a inflação futura não são nada boas.

Mesmo com a ameaça de um novo 7 a 1 contra o Brasil (7% de inflação com 1% de crescimento), Lula se diz “tranquilo” em relação à economia, porque a ação governamental estaria resolvendo o problema do baixo investimento, outra das travas que emperram o país. Ou seja, o ex-presidente e mentor de Dilma perpetua o preconceito ideológico contra a iniciativa privada e ainda vê a solução para o Brasil no protagonismo do Estado. Menos mal que, ainda que por mero pragmatismo, o governo venha reconhecendo que não consegue dar conta de setores como os de rodovias e aeroportos e esteja avançando lentamente nas concessões. Afinal, a receita de Lula, se seguida à risca, mais cedo ou mais tarde levaria nossa infraestrutura ao apagão que não veio na Copa.