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TRÍPLICE FRONTEIRA – Função de Centro de Inteligência ainda não está definida

Itamaraty anunciou a criação do Centro Regional de Inteligência na Tríplice Fronteira, parceria entre Brasil, Paraguai, Argentina e EUA (Grupo 3+1), mas não definiu seu funcionamento. Idealizado no âmbito do Comitê Interamericano Contra o Terrorismo para combater o crime nas fronteiras, o G 3+1 nega conhecimento de quaisquer atividades terroristas na região

Verena Glass – Carta Maior

No dia 15 deste mês, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) anunciou que começará a funcionar nas próximas semanas, na região da Tríplice Fronteira, o Centro Regional de Inteligência (CRI). O Centro é uma iniciativa do Grupo 3+1 (Brasil, Paraguai, Argentina e EUA) e foi idealizado para auxiliar no combate aos “atos ilícitos” praticados na região da fronteira dos três países sul-americanos, “por meio do aumento da cooperação entre os organismos de segurança pública” dos referidos Estados.

O anúncio, que teve grande repercussão nos meios de comunicação brasileiros, argentinos e paraguaios, não entrou em detalhes sobre o funcionamento do Centro, nem especificou que tipo de atos ilícitos serão monitorados. E segundo a assessoria do Itamaraty, até agora, além da informação de que envolverá atividades de inteligência e que será sediado nas dependências da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, no próprio MRE não se tem conhecimento dos pormenores da composição e das atividades do CRI.

Apesar dos poucos dados, a criação de um Centro Regional de Inteligência não é fruto de uma decisão repentina do governo brasileiro. Segundo o informe sobre terrorismo do Escritório para a Luta contra o Terrorismo do Departamento de Estado dos EUA, divulgado em abril, desde a criação do G 3+1 em 2002, quando o governo americano teria sido convidado pelos outros países a compor uma coalizão de segurança da Tríplice Fronteira, o alvo da cooperação seria a luta contra o crime, a lavagem de dinheiro e “as possíveis atividades terroristas destinadas à arrecadação de fundos” para grupos como o Hamas (partido político que hoje detém o poder na Palestina) e o Hezbollah (partido que compõe o governo libanês).

Em janeiro de 2004, durante a reunião do Comitê Interamericano Contra o Terrorismo (CICTE) da Organização dos Estados Americanos (OEA), que avaliou as atividades de 2003 do G 3+1 em Assunção, no Paraguai, o Brasil reiterou seu oferecimento aos demais países de compartilhar as facilidades do Centro de Inteligência já “a partir do segundo semestre de 2004, a serviço da cooperação quadrilateral em matéria de segurança e de inteligência”.

Terrorismo
Com o anuncio do CRI este mês, a relação entre a iniciativa do Ministério das Relações Exteriores com uma suposta pressão dos EUA frente aos recentes conflitos envolvendo Israel e o Hezbollah no Oriente Médio, bem como as reiteradas afirmações de membros do governo americano de que a Tríplice Fronteira, em função da grande população de imigrantes árabes na região, seria um reduto de integrantes ou simpatizantes de organizações islâmicas fundamentalistas, foi recorrente nos meios de comunicação que noticiaram a criação do Centro.

Mas o Itamaraty nega. Questionado sobre o assunto, a assessoria do órgão remeteu ao relatório da última reunião plenária do G 3+1, ocorrida em dezembro do ano passado em Brasília, onde os países membros afirmam que, “de acordo com a informação disponível até o presente momento, não foram detectadas atividades operativas de terrorismo na área da Tríplice Fronteira”.

A afirmação de que não há indícios de atividades terroristas na região já consta do relatório do Comitê Interamericano Contra o Terrorismo de 2004, e mesmo o informe do Departamento de Estado dos EUA, apesar das declarações contraditórias do governo americano, reconhece, quase a contragosto, este fato.

“Os Estados Unidos mantiveram sua preocupação com as atividades de arrecadação de fundos para o Hezbollah e o Hamas nas comunidades muçulmanas de significativa população na região da tríplice Fronteira, mesmo que não pode comprovar a informação que denuncia a presença operativa de grupos extremistas islâmicos nesta área”, diz o documento.

Segundo o delegado chefe da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, Alessandro Carvalho de Mattos, as afirmações sobre atividades terroristas na Tríplice Fronteira são boatos que criminalizam a comunidade árabe da região – a segunda maior do país, depois de São Paulo.

“Para se falar em atividades terroristas, tem que se apresentar informações com o mínimo de dados que permitam uma investigação. Hoje não temos nada, só boatos. Desconfiança não é fato”, afirma Mattos.

Também o suposto envio de dinheiro do Brasil para organizações fundamentalistas carece de qualquer comprovação, pondera o delegado. “É natural que um imigrante que se estabeleça em outro país mande dinheiro para a família ou invista em propriedades no país de origem. Se este dinheiro vai parar na mão de alguma organização, eu desconheço. Mas garanto que os comerciantes aqui não têm mais capacidade de financiar algum grupo político do que um país como a Síria, por exemplo”.

Esta avaliação, aliás, concorda com a constatação do relatório de atividades de 2003 do próprio G 3+1, quando o documento afirma que o encontro entre unidades de inteligência financeira, ocorrido em maio, “havia revelado a ausência de provas, ou mesmo indícios, de transferências financeiras lícitas ou ilícitas a partir da Tríplice Fronteira, para grupos terroristas ou entidades de fachada no Oriente Médio”.

De acordo com Mattos, a comunidade árabe, na maioria comerciantes, também não está envolvida em outros ilícitos, como o contrabando de armas e drogas. “O Paraguai é o maior plantador de maconha da região, e existe um forte contrabando de armas. Mas não são os árabes, são brasileiros e paraguaios. Terrorismo? Desconheço. Tráfico e contrabando, tem muito. Temos muitos problemas reais, porque vamos perder tempo com os imaginários?”, questiona.

Monitoramento americano
Questionado sobre o funcionamento do CIR, o delegado Mattos explicou que a intenção dos governos é que o Centro seja operado pelas Polícias Federais do Brasil, da Argentina e do Paraguai, mas é possível que também conte com a participação de agentes americanos, já que será constituído pelos quatro governos.

Independente da presença física dos EUA na região, no entanto, em sua última reunião o G 3+1 reafirmou o compromisso de compartilhar todos os dados relativos à segurança e controle das fronteiras, e encorajou o Grupo a continuar a troca de informações por meio das Unidades de Transparência de Comércio (TTU’s).

Segundo o relatório da reunião, a delegação dos EUA também parabenizou o governo argentino pela instalação do Sistema Integrado de Captura Migratória (SICAM, sistema que, desde 2005, monitora e registra todas as pessoas que entram ou saem do país, argentinos ou estrangeiros), e garantiu seu apoio à cooperação entre autoridades responsáveis por controles fronteiriços e ao programa de observação de procedimentos de controle fronteiriço, oferecido pelos EUA a funcionários dos demais países.