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Tantos Ronaldos

Tantos Ronaldos

Por José Geraldo Couto

Um historiador do futuro, ao pesquisar nossa época nos jornais, programas de TV e sites da internet, ficará perplexo diante do enigma Ronaldo. Seu problema não será a falta de informações, mas o excesso.

Desse emaranhado todo de dados e interpretações, como compor uma imagem coerente do homem, do atleta, do mito? Fenômeno ou "invenção da mídia"?

Mártir que exibe seu calvário em público ou garotão mimado que não se fez cargo do próprio destino? Craque genial ou atleta biônico? Tudo isso é verdade em alguma medida.

Ronaldo Nazário de Lima é um ser complexo e contraditório como qualquer outro. A diferença é que foi muito cedo alçado à categoria de mito midiático, o que o levou a concentrar em sua imagem os desejos e os temores, conscientes ou não, de milhões de indivíduos pelo mundo afora. Ronaldo não é só Ronaldo, é Ronaldo e mais o que o nosso imaginário projeta nele. É uma construção do nosso afeto e do nosso desejo.

Há Ronaldos para todos os gostos e necessidades. Há o Ronaldo batalhador, "gente que faz", que venceu as contusões e o descrédito generalizado para dar a volta por cima e tornar-se o maior artilheiro das Copas do Mundo. Há o Ronaldo fútil, vaidoso e consumista, cuja vida se resume a carrões, festas e louras vitaminadas. Há também o Ronaldo solitário e carente, lançado numa selva de ferozes interesses políticos e econômicos antes de ter maturidade para se defender.

Há, por fim, o Ronaldo acomodado, gordo, que leva vida desregrada e descuida do preparo físico. De fatos concretos, o historiador do futuro saberá que Ronaldo era um garoto magricela quando saiu do Brasil para jogar na Holanda, aos 17 anos, e que lá ganhou uma impressionante massa muscular. Como esse reforço físico se deu, e a que preço, ainda é motivo de controvérsia.

Será que os anabolizantes introduzidos no corpo do rapaz funcionaram como uma bomba-relógio destinada a explodir vários anos depois? O historiador não chegará a uma conclusão. Mas saberá que Ronaldo foi artilheiro no Brasil, na Holanda e na Espanha.

Já que o futebol do futuro deverá ser bem diferente, talvez o historiador não tenha parâmetros adequados para avaliar os gols e jogadas que fizeram de Ronaldo três vezes o melhor jogador do planeta. A certa altura da pesquisa, o historiador do futuro recorrerá cada vez menos às páginas e programas de esportes e cada vez mais às publicações de fofocas de celebridades, onde encontrará Ronaldo em meio a modelos e atrizes, "artistas" do "Big Brother", empresários e apresentadoras de TV.

Para não se perder nesse tititi, o historiador deverá ter noções básicas de economia política para entender a lógica capitalista global dentro da qual Ronaldo é apenas um peão com aparência de rei. Estudar Ronaldo será tarefa de uma vida para o historiador do futuro. Talvez ele consiga, assim, compreender o nosso tempo.

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Publicado na Folha de S. Paulo, de 16 de fevereiro de 2008

TANTOS RONALDOS

Um historiador do futuro, ao pesquisar nossa época nos jornais, programas de TV e sites da internet, ficará perplexo diante do enigma Ronaldo. Seu problema não será a falta de informações, mas o excesso. Desse emaranhado todo de dados e interpretações, como compor uma imagem coerente do homem, do atleta, do mito? Fenômeno ou "invenção da mídia"? – da coluna de José Geraldo Couto na Folha de S. Paulo deste sábado (16). Leia sua íntegra em Reportagens.