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Sem rumo

(foto: arquivo/O Globo)
(foto: arquivo/O Globo)

Antônio Risério

Vejo uma atitude muito esquisita da parte de algumas pessoas que, pelo menos aparentemente, parecem querer mudar o país: é um discurso ao mesmo tempo desesperado, desistente, agressivamente esnobe e até apocalíptico.

Seguem certas expressões características desse, digamos, estado de espírito: o Brasil acabou; país de merda; 2016 foi uma desgraça e 2017 vai ser desgraça ainda maior; povinho burro, ignorante; a única saída é o aeroporto… E por aí vai.

É decepcionante. Que falta de vigor é esta? – me pergunto. Xingar o país, atacar o povo e dizer que a melhor coisa a fazer é se mandar para o exterior não são coisas que se deva esperar de quem deseja promover mudanças por aqui. E olha que os tempos nem andam tão pesados assim.

Quando comparo com a época realmente dura, pesada e violenta da ditadura militar pós-AI5 e pré-Geisel, o contraste chega a ser escandaloso. Naquela época, sob as botas da repressão, não xingávamos o país. Não ficávamos nos lamentando, dizendo que tudo tinha acabado. Quem não era expulso do país, queria mesmo era ficar por aqui. E, quando o Maracanã em peso aplaudiu Médici, nenhum de nós decretou: povinho de merda.

Não. Era muito diferente. Em vez de ficar se descabelando, xingando e jogando a toalha a cada tropeço, tratávamos de tentar entender as coisas e verificar onde estávamos errando. E atuávamos em todos os campos e em todas as brechas possíveis para contestar a ditadura e avançar em direção à democratização nacional.

Ou seja: numa situação incomparavelmente mais difícil, parecíamos ter mais serenidade, firmeza e consistência, apesar do desatino delirioso – suicida, mesmo – do projeto da luta armada. E foram anos e anos de trabalho político contínuo para transformar aquela realidade terrível.

Por isso mesmo, a vitória contra a ditadura foi resultado da práxis política cotidiana das forças democráticas brasileiras. A ditadura não caiu por causa de bomba, assalto a banco, araguaias. Longe disso. Caiu por causa do MDB, da Igreja Católica, da esquerda democrática, de artistas e intelectuais, todos batalhando juntos pelo retorno à democracia.

Agora, como explicar a diferença entre a disposição transformadora paciente e persistente daqueles tempos – e o misto de desespero-desistência-horror de tantos, hoje? Por que a mania atual de esculhambar o país (dizendo cretinices sobre a nossa história) e agredir a população, o povinho-de-merda?

O Brasil já tem uma nova direita. Nova esquerda, não. E, se for nessa batida, não terá tão cedo.