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Royalties aos lindeiros

José Elias Castro Gomes

Quando se fala em santuários ecológicos, como a Floresta Amazônica, o Pantanal Mato-grossense ou Parque Nacional do Iguaçu, é recorrente a busca pela sensibilização das pessoas para as causas que envolvem a preservação da natureza. Esse apelo é extremamente válido e correto. Mas precisa se expandir. No caso específico, o edital da concessão do parque é algo que envolve, sim, o cuidado com incontáveis espécies da fauna e da flora – só não podemos esquecer do meio milhão de habitantes que vivem no entorno dessa área rica e generosa.

É fato que os lindeiros precisam de condições adequadas para viver bem e preservar o parque. Também não devem caçar ou abrir vias rodoviárias, mas precisam que o desenvolvimento de algum modo não seja bloqueado pelo isolamento geográfico. O que quero dizer é muito simples e até óbvio: a população dos municípios lindeiros pode e deve receber contrapartida em investimentos por parte de quem assumir a concessão do parque.

A unidade de conservação avança por suas divisas, ou seja, as áreas do parque estão dentro dos territórios de parte dos municípios da região. Além disso, é necessário que a população seja de algum modo atendida e receba apoio para também colaborar com a preservação na natureza local.

Se, por exemplo, por qualquer ocorrência mais grave na área lindeira ao parque, a chance de uma tragédia ambiental é considerável, pois muitos dos municípios sequer possuem brigada ou corpo de bombeiros. Muitos também não têm hospitais e universidades, o que atesta um evidente bloqueio ao desenvolvimento e um nítido êxodo dos mais jovens, que deixam suas cidades, amigos e familiares para trás em busca de melhores condições de vida nos grandes centros urbanos.

Portanto, é fato que o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), atual detentor da concessão de exploração do Parque Nacional do Iguaçu, bem como qualquer outro instituto ou consórcio que venha vencer a licitação do próximo edital, deve respeitar e apoiar os moradores das 14 cidades lindeiras: Santa Terezinha de Itaipu, São Miguel, Medianeira, Serranópolis do Iguaçu, Matelândia, Ramilândia, Céu Azul, Vera Cruz do Oeste, Santa Tereza do Oeste, Lindoeste, Santa Lúcia, Capitão Leônidas Marques e Capanema.

Estamos falando de um parque que recebe a atenção do mundo todo, que consiste em uma valiosa unidade de conservação de um dos mais significativos remanescentes da Mata Atlântica na América do Sul, de uma fonte inesgotável para a atividade turística sustentável e conservacionista, e de orgulho para todos brasileiros. Esse maravilhoso bioma é morada de espécies (algumas endêmicas) importantes da biodiversidade desta região do Cone Sul e na ligação com outras reservas da Argentina e do Paraguai. É riqueza ecológica que precisa, necessariamente, reverter também em riqueza social.

A próxima concessão será de 30 anos, o que aumenta sobremaneira, a necessidade de atenção nesse momento. Afinal, estão em jogo as próximas três décadas do parque e os direitos de 456.893 moradores do seu entorno. Até o momento, foram realizadas apenas duas audiências públicas: uma em Foz do Iguaçu e outra em Céu Azul, ambas carregadas de questionamentos, o que suscitou a produção de ofício encaminhado ao presidente do ICMBio, Fernando Cesar Lorencini, pela prefeitura de Foz do Iguaçu, Câmara de Vereadores, Conselho Municipal de Turismo e Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da cidade. O documento levanta indagações extremamente necessárias. Vale a leitura, mas farei aqui um breve resumo das principais ponderações.

Os questionamentos começam pela tarifa única de R$ 120,00 sem haver garantia de uma importante conquista: o passe comunidade. Hoje os lindeiros pagam somente o transporte (R$ 17,00) de tarifa para conhecer as Cataratas do Iguaçu.

Na tarifa única proposta, os aumentos poderão variar entre 605,89% (para lindeiros), 140% (brasileiros), 81,81%(Mercosul) e 44,50% (estrangeiros).

Nota-se que nessa taxa, exclusiva à visita às Cataratas do Iguaçu não está incluído o transporte às quedas (atuais R$ 17,00), ingresso de outros atrativos turísticos e serviços (restaurante, artesanato, souvenirs, fotografias, bebidas, etc). Com esse outros valores que certamente o visitante precisa desembolsar, o gasto médio de uma família de cinco/quatro pessoas pode ultrapassar R$ 1 mil. Portanto, considero essa questão de preços e aumentos um verdadeiro ultraje na retomada da economia, principalmente do turismo, uma das principais atividades econômicas da nossa cidade. O passeio às cataratas poderá ficar inviável para boa parte da população.

Entre diversas outras questões, há três que merecem atenção especial. A concessionária poderá limitar ou proibir a circulação de veículos de turismo e de táxis na área de visitação do Parque; também haverá cerceamento do trabalho de profissionais nas Cataratas do Iguaçu. Mais de 2,5 mil vans e 1.000 guias de turismo terão seu trabalho comprometido.

Outro tópico que exige cuidados é a taxa de outorga. O ICMBio pretende levantar R$ 500 milhões na outorga fixa e mais de R$ 2 bilhões de outorga variável no decorrer de 30 anos de concessão. É preciso criar um formato de royalties para as cidades lindeiras, de forma proporcional como já acontece com a usina de Itaipu.

A compensação é muito necessária porque a população das cidades lindeiras encolhe ano a ano, o que reflete poucas opções e oportunidades em sua economia, hoje baseada na excelência da agropecuária, sendo necessário diversificá-la. Em suma, a proposta do ICMBio pode tirar todas as expectativas de desenvolvimento dos lindeiros, além de criar barreiras para o turismo local, ou seja, o modelo apresentado não atende o interesse público.

Restringir a visitação do parque devido a altas tarifas e virar as costas para as cidades lindeiras, não cria o que se chama hoje de empatia e pertencimento dos moradores a esta importante unidade de conservação. A população e as autoridades precisam se sensibilizar para essas questões, urgentemente. O momento é esse. Caso não venhamos a agir já, poderemos amargar 30 anos de arrependimento.

José Elias Castro Gomes é secretário de Transparência e Governança de Foz do Iguaçu