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Quando a Polícia é quem mata

SAOPAULO 26 10 2011 MANIFESTACAO DE CAMELOS E CONFRONTO COM POLICIA MILITAR ESTA MANHA FOTO MARIO ANGELO /SIGMAPRESS

Por Luigi Mazza, Piauí

Em outubro, a Baixada Fluminense bateu dois recordes ao mesmo tempo. Nunca houve, na região, um mês de outubro com tão poucos crimes terminados em morte – foram 77, o menor registro desde 2003, quando teve início a série histórica do ISP, o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, nunca houve um outubro com tantas mortes provocadas pela polícia. Foram 62, uma média de duas por dia. As chamadas “mortes por intervenção policial” vinham num patamar baixo havia meses. Em setembro, foram catorze mortes desse tipo na Baixada. Até que, em outubro, elas explodiram.

Em Itaguaí, a polícia matou quinze pessoas. Em Nova Iguaçu, outras quinze. Duque de Caxias, cidade mais populosa dentre as treze que compõem a Baixada Fluminense, teve doze mortos pela polícia em outubro, mais que o dobro do mês anterior. Foi em Caxias que Emilly e Rebeca, duas primas de 4 e 7 anos de idade, morreram vítimas de bala perdida na última sexta-feira (4). Elas brincavam em frente à casa da avó de Rebeca, na favela do Barro Vermelho. A origem do disparo está sendo investigada. Mesmo se for confirmado que o tiro partiu da polícia, as meninas não entrarão para a estatística de mortes por intervenção policial, que só leva em conta as mortes em supostos confrontos – os chamados autos de resistência. 

“Não houve tiroteio nesse dia, não houve nenhuma operação. Quem estava lá diz que só a polícia atirou. Eles estavam tentando acertar um motoqueiro que entrou na comunidade”, explica Marilza Barbosa Floriano, ex-empregada doméstica que hoje faz parte da Rede de Mães e Familiares Vítimas de Violência de Estado na Baixada Fluminense. Por meio da associação e de outros movimentos de que participa, ela vem prestando auxílio à família de Emilly e Rebeca, ajudando a organizar vaquinhas online para auxiliar nos gastos básicos da casa. “Caxias hoje tem mais polícia do que qualquer outra coisa”, diz Floriano, que mora na cidade desde que nasceu, 53 anos atrás. A Polícia Militar nega que os policiais presentes na região tenham feito disparos.

A Baixada é o exemplo mais extremo de uma tendência que pôde ser percebida em todo o estado. Em outubro, as mortes pela polícia triplicaram no Rio de Janeiro. De um patamar de cinquenta mortes por mês (em julho, agosto e setembro), o número saltou para 145 mortes. Na capital, 38 pessoas foram assassinadas pela polícia, a maior quantidade desde maio. As vítimas, em geral, são homens pretos e pardos. Um relatório da Rede de Observatórios da Segurança mostrou que 86% dos mortos pela polícia do Rio em 2019 eram negros.