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Professora e pioneira, Ilka Agripina Vera falece aos 92 anos

H2Foz/Guata

A professora Ilka Agripina Vera faleceu neste 31 de janeiro de 2012, aos 92 anos de idade. Formada em História e iguaçuense de origem argentina e paraguaia, Ilka trabalhou durante boa parte de sua vida nas escolas públicas de Foz do Iguaçu, sendo uma das primeiras alfabetizadoras da cidade. Também trabalhou na construção do Hotel da Cataratas, no Parque Nacional do Iguaçu.

Pela sua dedicação à educação pública, Ilka foi agraciada com o título de cidadã benemérita pela Câmara de Vereadores local, na década de 90. Em sua homenagem, reproduzimos a entrevista que concedeu ao jornalista Juvêncio Mazzarollo, em 1993, falando de sua trajetória na cidade.

São dele as palavras que abrem este texto.

“Pioneirismo em Foz do Iguaçu
se encontra na família Vera,
de origem argentina e paraguaia.
Pioneirismo na educação, entre outros campos,
em que merece destaque a missão cumprida
pela professora Ilka Agripina Vera,
que primeiro inaugurou escola como aluna
e depois como professora.
Aqui ela conta da família,
do nascimento, desenvolvimento
e decadência do ensino na cidade.”
(Juvêncio Mazzarollo)

– Como começa a história da professora Ilka Vera?
Começa pelo batismo, pelo nome. Na época em que nasci, todos os anos vinha um padre por ocasião da festa do padroeiro da cidade, São João Batista. Eu nasci na véspera da festa de São João e fui batizada no dia seguinte ao meu nascimento, com o nome de Ilka Agripina Vera. Quando depois veio o escrivão fazer registro de nascimento fui registrada como Agripina Vera, mas seria sempre conhecida por Ilka Vera.

– Qual a origem da família Vera, dos seus pais?
– Meu pai, Diego Ignácio Vera, veio da Argentina logo após ter feito o serviço militar. Veio numa embarcação que fazia o trajeto Posadas-Porto Mendes, em busca de erva-mate. Foi convidado por Jorge Schimmelpfeng a vir morar em Foz do Iguaçu e topou. Minha mãe ele conheceu ainda menina em Posadas. A origem dela é paraguaia. Está hoje com 94 anos. Por coincidência, ela também veio viver em Foz do Iguaçu. Aqui se reencontraram e casaram, tiveram 8 filhos. Meu pai faleceu em 1977.

– O que veio fazer seu pai em Foz do Iguaçu?
– Era maquinista do primeiro gerador de eletricidade instalado aqui, movido a lenha. Foi o primeiro eletricista da cidade. Em sua homenagem há uma rua com o nome dele no bairro Jardim São Paulo.

– Na sua infância e juventude, o que agitava a vida social da cidade?
– Havia o Weirich Clube, ou Clube Alemão, do Cristiano Weirich, onde hoje está a Casa Flórida. Nós meninas e moças às vezes íamos dar uma espiada. Cinema aparecia de vez em quando. Alguém vinha de fora com projetor e alguns filminhos exibidos em tela ao ar livre. Os primeiros eram de imagens paradas, tipo “slide”. Depois surgiu o Cine Progresso e, mais tarde, o Cine Star, em 1952, e o Cine Iguaçu (Salvatti), em 1972.

– E para estudar, que oportunidade havia?
– Minha primeira professora foi uma negra, Idália, esposa de um sargento. Ela montou uma escolinha particular. Quando comecei ir à escola era a única menina da turma. Fiquei apenas alguns dias. Certo dia, um menino mexeu num vespeiro numa traquinagem para que alguém fosse picado. A professora mandou que eu aplicasse a palmatória no menino, aplicasse não sei quantos “bolos”, como se dizia. Eu me recusei, então a própria professora aplicou a palmatória. O menino ficou com as mãos roxas, e eu fiquei apavorada. Fui para casa e disse a meu pai que não iria mais à escola porque a professora era uma louca. E era ruim como professora também porque só exigia decoreba, a começar pela tabuada.

– Aprendeu a ler e escrever como, então?
– Passei a aprender em casa, com um tio. Não havia escola. Na década de 20 os padres começaram a dar aulas, inicialmente embaixo das árvores ao lado da Casa Paroquial. Só em 1928 foi aberta a Escola Bartolomeu Mitre, naquele prédio que ainda existe, em frente à praça Getúlio Vargas, ao lado do Correio. Eu entrei no segundo ano do primário e fiz parte da primeira turma de formandos da Escola, que era do Estado. Minha professora foi Ottília Schimmelpfeng.

– Teve oportunidade de cursar a escola normal, ou magistério, como se chama hoje?
– Não, embora tivesse loucura por estudar. Certa ocasião fui convidade por uma família amiga a ir a Curitiba estudar, mas meu pai não deixou. No governo de Manoel Ribas fui nomeada professora junto com outras seis, mas só uma assumiu. Eu não assumi porque fui designada para Santa Helena, que pertencia a Foz do Iguaçu. Isso foi lá por 1939/40. Fui então trabalhar com a empresa Dolabela, que fazia obras no Parque Nacional (Usina São João, Museu do Parque). Comecei trabalhando num armazém que atendia os funcionários da empresa. Durante a construção da usina São João morei vários anos no Parque Nacional. E durante a II Guerra Mundial me inscrevi num curso para voluntários que queriam ir à Guerra, porque eu era louca por enfermagem. Mas nem cheguei a fazer o curso.

– Quando e como, então, começou a carreira de professora?
– Comecei na escolinha do Parque Nacional, que atendia os filhos dos que travalhavam na Usina São João. Eu morava com a professora Inocência. Ela faltava muito, então eu a substituía, até que os alunos pediram o afastamento dela para que eu assumisse a escola. Foi o que aconteceu. Tomei gosto por escola e passei a vida toda em sala de aula.

– Qual era seu método de ensino?
– Eu mesma criava meus métodos. Ao invés de cartilhas e livros, eu me guiava pela intituição. Já na Escola Bartolomeu Mitre, com turma de quarenta alunos, a diretora e outras professoras estranhavam até me criticavam por não utilizar a cartilha de alfabetização.

– O que utilizava? Qual era o material didático?
-Por exemplo, certa vez fui à farmácia Teixeira e ganhei uma pilha de livretos, espécie de almanaque, do Biotônico Fontoura, com a história do Jeca Tatu. Utilizando o livreto, em pouco tempo surpreendi a Escola com todos os alunos alfabetizados. Em meio ano eu alfabetizava as crianças, enquanto outras professoras, com seus métodos e suas cartilhas, levavam um ano ou mais.

– A senhora disse que tinha loucura por enfermagem. Teve oportunidade de praticar enfermagem?
– Sim. Antes de lecionar trabalhei quatro anos na Santa Casa Monsenhor Guilherme. Além disso, sempre pratiquei enfermagem em casa, onde era procurada para aplicar injeções, fazer curativos. No magistério entrei em definitivo em 1947, nomeada pelo Estado para a Escola Bartolomeu Mitre.

– Continuava sendo a única da cidade?
– Sim. Mas em seguida foi criado o Ginásio Estadual de Foz do Iguaçu, com curso colegial, que mais tarde passaria a ser o Colégio Monsenhor Guilherme.

– É verdade que as provas dos exames finais vinham prontas de Curitiba?
– É verdade. E vinha banca examinadora de Curitiba aplicar as provas. No dia do exame, a professora fazia a chamada dos alunos e se retirava. A banca examinadora corrigia as provas e dava nota. Eu conseguia quase sempre cem por cento de aprovação dos alunos. Não havia como eles passarem sem saber naquela forma de exame.

– O que a senhora fazia que as outras professoras não faziam para ter cem por cento de alunos aprovados?
– O principal segredo do sucesso do professor é cativar os alunos. Não pode ser muito exigente, obrigar a criança a ter livrinho e caderninho todo enfeitadinho. Para mim, a natureza oferece todos os elementos para qualquer aula. Com uma pedrinha ou folhinha de árvore, eu desenvolvia todo tipo de aula. Acho que Deus me deu dom. Eu chegava a chorar de emoção quand via os alunos lendo e escrevendo. Até levava alunos para almoçar em casa. Era chamada de José de Anchieta, porque os piores alunos eram jogados na minha sala e eu dava conta.

– Nunca expulsou algum bagunceiro da sala de aula?
– Certa vez, eu dava aula no auditório do Colégio Monsenhor Guilherme, a uma turma muito grande. Um aluno começou a jogar papel, bagunçar. Repreendi três vezes e ele não obedeceu, então mandei para fora. A turma ficou assustada, porque ninguém me havia visto agindo assim. Depois fiquei assustada comigo mesma. Fui me informar e fiquei sabendo que aquele aluno estava num momento difícil. O pai dele havia se separado da mulher, por isso o menino estava revoltado. Ele veio me pedir desculpas e passou a ser um dos melhores alunos.

– Lecionou até quando?
– Até 1989, com 42 anos de magistério.

– Aposentou-se ganhando uma fortuna…
– Ah, sim!

– Também nunca foi propriamente por salário que a senhora, pelo visto, ensinou durante 42 anos.
– É verdade. Mais do que o salário, o que me dava alegria era o reconhecimento e a gratidão dos alunos, das diretoras e colegas. Ganhava muitos presentes, muitos dos quais guardo até hoje. O reconhecimento e a estima eram para mim o melhor pagamento.

– Entre seus ex-alunos há algum de quem a senhora diz com orgulho que foi professora dele?
– Não há alguém em particular, mas são muitos os médicos, engenheiros, advogados bem sucedidos na vida que começaram a aprender comigo as primeiras letras.

(*) Entrevista concedida ao jornalista Juvêncio Mazzarolo, no ano de 1993. A entrevista foi recopilada do jornal “Gazeta do Iguaçu” e editada no livro “Foz do Iguaçu, Retratos”, editado em 1997, pela Editora Cam pana e Alencar.