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Procuradoria fecha em Ponta Porã(MS), fronteira com o Paraguai e abre nova sede em Dourados (MS) por questões de segurança

Sob o argumento de que há “níveis críticos de violência” e ações da facção criminosa PCC na região, o Ministério Público Federal decidiu fechar o seu prédio em Ponta Porã (MS), na fronteira do Brasil com o Paraguai, e transferir suas atividades para a cidade de Dourados (MS), a 120 km de distância. As informações são de Rubens Valente na Folha de S. Paulo.

A decisão partiu do Conselho Superior do MPF e foi acompanhada pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).

Segundo o MPF, o prédio fica a 350 metros da fronteira seca com Pedro Juan Caballero, no Paraguai, “palco de numerosas ações de diversos grupos criminosos organizados, em especial, do PCC [Primeiro Comando da Capital]”.

Em 2016, um traficante brasileiro que era chefe do narcotráfico na região foi morto em um ataque em Pedro Juan Caballero que envolveu até o uso de metralhadora antiaérea. A polícia ligou a ação ao PCC, que buscava se estabelecer no território.

O órgão público funcionava desde 2003 e hoje conta com três procuradores da República, 15 servidores, seis estagiários e oito empregados terceirizados. Com 92,5 mil habitantes, Ponta Porã é o quinto maior município de Mato Grosso do Sul.

Segundo a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) local, a medida impactará mais de 300 mil moradores de Ponta Porã e das cidades vizinhas.

Dados compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a pedido da Folha indicam 104 homicídios ocorridos apenas no município de Ponta Porã de 2017 a 2018. O MPF diz, em documento, que em 2019 “115 assassinatos foram cometidos por pistoleiros na região”.

De acordo com levantamento de três associações de juízes federais, entre 1º de julho de 2018 e 30 de junho de 2019, as duas varas federais que operam em Ponta Porã registraram 232 audiências de custódias –a retirada dos procuradores da República do município deverão prejudicar essas audiências, dizem os magistrados.

Por ano, segundo as entidades, ocorrem cerca de mil audiências na Justiça Federal.

Em documento, o relator do caso no CNMP, o subprocurador-geral da República Hindemburgo Chateaubriand Filho, afirmou que os procuradores da República de Ponta Porã têm relatado a inadequação das condições do prédio, uma “estrutura fragilizada pela ação do tempo e espaço físico insuficiente para comportar o quadro funcional da unidade”.

Também falam sobre “a ocorrência de um volume considerável de entrada, em território nacional, de drogas, armas, mercadorias provenientes de contrabando e descaminho, da alta incidência de inquéritos com investigados encarcerados ou processos com réus presos, do crescimento de crimes e incidentes ocorridos na região, provocados pela disputa de poder entre lideranças criminosas que se utilizam de armamentos de grosso calibre”.

Segundo o subprocurador, a medida seria “temporária”, e ocorreria “até que se encontre solução para a construção de uma nova unidade que atenda aos requisitos de segurança que dela se cobram”.

“Não desconheço a importância da atuação do Ministério Público Federal na PRM de Ponta Porã”, pontuou o subprocurador que, em seu voto, citou outros estudos realizados pelo MPF recomendando a desativação.

Juízes federais e advogados reagiram à medida. “O sinal que o MPF emite à sociedade é muito ruim. Os juízes federais moram lá e vão continuar lá. É um local que precisa da presença do Estado. Com a saída do MPF, é o Estado deixando de atuar onde mais precisa estar. Se há problema de segurança, tem que ser resolvido de outro jeito”, disse à Folha o presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Fernando Mendes.

Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também criticou a desativação. “Ponta Porã, de fato, é uma cidade que apresenta um histórico de problemas e segurança pública. Porém, o gesto do MPF não ajuda em nada a integração dos vários órgãos de combate ao crime organizado, ainda mais em uma área de fronteira em que ele pode ter jurisdição. O combate à violência e à impunidade fica comprometido.”

Além da Ajufe, outras duas entidades representativas de magistrados reagiram à desativação do prédio: a Ajufems (Associação dos Juízes Federais de Mato Grosso do Sul) e a Ajufesp (Associação dos Juízes Federais de São Paulo).

As três peticionaram na Ouvidoria Geral do Ministério da Justiça para dizer que a desativação da unidade “parece não ter seguido aos ditames legais”, pois sua criação e localização ocorreram a partir de uma lei federal de 2003, que estabeleceu Procuradorias Regionais nos municípios de Corumbá, Coxim, Dourados, Naviraí, Ponta Porã e Três Lagoas, todas em Mato Grosso do Sul.

Os juízes federais apontaram ainda que “que o deslocamento da sede do Ministério Público para a cidade de Dourados acarretará consequências negativas não só à prestação jurisdicional, mas a todos os órgãos envolvidos; e principalmente à população que passará para um quadro ainda maior de ‘sensação de insegurança’, eis que o Estado, através do Ministério Público, não se fará presente”. O caso foi remetido ao CNMP.

A relatora do caso no Conselho, Sandra Krieger, e o plenário do Conselho mantiveram a decisão anterior do Conselho Superior e com isso o processo de desativação prosseguiu. A OAB de Ponta Porã também tenta, até agora sem sucesso, reverter a medida.

“A região de fronteira possui número exponencial de flagrantes por crimes graves, como tráfico de drogas, tráfico de armas e organização nacional transnacional. E, em todos os flagrantes, devem ser realizadas audiências de custódia no prazo máximo de 48 horas”, disse a OAB.

Uma decisão do STF impede audiências do gênero por videoconferência.

A entidade apontou ainda que Dourados, a cidade para a qual serão deslocados procuradores e servidores do MPF, “é o município mais violento entre as maiores cidades de Mato Grosso do Sul, o que nos traz a clara ideia de que o pretendido pelos servidores da PRM de Ponta Porã não é segurança, senão a comodidade estrutural e o afastamento da população para o qual deveriam exercer seu ‘múnus’ [dever] público.”

Procurado, o MPF de Mato Grosso do Sul não havia se manifestado até a conclusão desta reportagem.
O CNMP informou que “durante a 19ª Sessão Ordinária de 2019 [em 10 de dezembro], o Plenário acompanhou a relatora [Sandra Krieger] e decidiu pela improcedência do Pedido de Providências, considerando inexistirem razões suficientes no momento para anular a execução da decisão proferida nos autos do processo” que autorizou a transferência do MPF de Ponta Porã.