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Pressão popular, o Poder Público e as bicicletas. Artigo de Jonny Stica

“Hoje, comemora-se em todo o mundo O Dia Mundial Sem Carro, um movimento que começou na Europa, ganhou força em diversos países e que ajuda a evidenciar aquele que se tornou um dos maiores problemas urbanísticos (e por que não sociais) das grandes cidades brasileiras: o trânsito.

No Brasil, ainda mais recentemente, as bicicletas têm aparecido como um fator que pode melhorar esta equação. Com isso, surge um desafio ainda maior que é introduzir a cultura das bikes na agenda dos governantes brasileiros.

Para vencer esta barreira, é possível buscar inspiração em outros países, onde o debate sobre a utilização das bicicletas como meio de transporte maciço já vai bem adiantado.

Copenhagen, capital da Dinamarca, era uma cidade que vivia a cultura da bicicleta até a década de 30. Contudo, assim como no resto do mundo, sofreu a invasão motorizada e, a partir da década de 50, essa cultura se inverteu em favor dos carros.

Mas, diferente do resto do mundo, durante a crise do petróleo na década de 70, as pessoas foram às ruas exigir a volta da velha magrela. E vale ressaltar que não foram os políticos e os arquitetos os vetores destas mudanças: foi um movimento iniciado pela população que enfrentava diariamente os congestionamentos que provocou os avanços.

O resultado é que hoje quase metade dos moradores de Copenhagen vai ao trabalho diariamente de bike, utilizando os 350 quilômetros de ciclovias à disposição na cidade. O aeroporto da cidade, por exemplo, não tem estacionamento para carros, mas sim, um bicicletário logo na entrada.

Os políticos dinamarqueses, atendendo à demanda popular por melhores condições para pedalar, foram os primeiros a entender que, quanto mais gente pedalando, melhor para a economia da cidade.
E não é surpresa que outras cidades vão chegando à mesma conclusão.

A London School of Economics divulgou estudo recente apontando que a expansão do ciclismo na cidade de Londres vai significar uma poupança de US$ 3 bilhões em uma década para a economia britânica em relação às perdas com faltas no trabalho.

A matemática é simples: os ciclistas londrinos ficam, em média, 7,4 dias doentes por ano. Em contrapartida, os não-ciclistas têm 8,7 dias por ano de ausência por doença.

Outro dado da pesquisa: se os níveis de ciclismo existentes por lá aumentarem a uma taxa de 20% até 2015, a economia britânica deixará de perder US$300 milhões em função dos congestionamentos.
E, finalmente, o relatório cita que a demanda latente para o ciclismo tem um potencial de
US$ 840 milhões inexplorados economicamente (e nós, em Curitiba, não conseguimos interessados para as licitações dos bicicletários).

Falando em bicicletários, em 2007, Paris lançou a iniciativa Vélib, um esquema de aluguel de bicicletas que opera 24 horas por dia, 7 dias por semana, que mudou a cara dos transportes na cidade.
Até 1997, havia 110 quilômetros de ciclovias em Paris. Já são 370. Hoje, há 20 mil bicicletas disponíveis nas ruas para aluguel.

E na vizinhança, como andam as coisas?

Desde dezembro de 2010, a prefeitura de Buenos Aires passou a promover o uso de bicicletas. O programa Mejor en Bici envolve a construção de ciclovias e infraestrutura, educação para a mudança da cultura, fomento para empresas que aderirem ao programa e empréstimo gratuito de bikes e capacetes.

O discurso do poder público em prol do uso das bicicletas por lá é forte. A divulgação está espalhada pela cidade, em redes sociais e no site do programa. E pode ser percebido na prática. A proposta inicial era criar 100 quilômetros de ciclovias. Em pouco mais de três meses do projeto, 50 quilômetros já estavam prontos.

Foram criados em Buenos Aires 16 pontos onde os moradores podem retirar uma bici depois de preencher o cadastro. O serviço já conta com 8 mil usuários por dia.

No Brasil, apesar do debate avançar de forma lenta, a bicicleta começa a entrar na agenda de governos como peça chave na formulação de políticas públicas de mobilidade.

O Ministério das Cidades, por exemplo, criou o projeto da Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável, com as prioridades e objetivos do governo federal ao que diz respeito ao desenvolvimento urbano, incluindo incentivos para bicicleta. Foi aprovada no Senado na última sexta-feira (16).
Outra ação relevante do governo federal é o Programa Caminho da Escola, que faz a doação de bicicletas e capacetes para 81 municípios, em um projeto-piloto com foco em alunos que moram de 3 km a 15 km de onde estudam.

Mas talvez o esforço mais promissor em nível federal seja o Projeto de Lei nº 6474/09, que cria o Programa Bicicleta Brasil (PBB) nos municípios com mais de 20 mil habitantes. A proposta, que tramita na Câmara dos Deputados, destina 15% do valor arrecadado com multas de trânsito para financiar ações de incentivo ao uso da bicicleta, como a construção de ciclovias e ciclofaixas, instalação de bicicletários e campanhas de divulgação dos benefícios do uso da bicicleta.

Em Curitiba, isso representaria cerca de R$ 10 milhões para promoção do uso das bikes; quase cinco vezes o orçamento de 2011 previsto para a implantação e revitalização de infraestrutura cicloviária do município.

Até a má afamada São Paulo já dá sinais de mudança. Criou o programa “Ciclofaixa de Lazer” que, mesmo não resolvendo o problema da mobilidade, está ajudando a sensibilizar o motorista paulistano, criou o programa “Rota de Bicicleta”, para deslocamentos em curtos espaços, além de campanhas educativas como o “Ciclista na Via”.

Curitiba já esteve à frente deste debate, especialmente quando criou as primeiras ciclovias, na década de 70. Porém, estacionou nos 118 quilômetros (é bem verdade que, no Brasil, fica atrás apenas do Rio, que tem 160 quilômetros de vias dedicadas às bikes. Mas, por aqui, as ciclovias são apenas para lazer).

Hoje, apesar do discurso, Curitiba investe quase nada no modal. No primeiro semestre de 2011, a Prefeitura empenhou apenas 6% dos R$ 2 milhões previstos no orçamento de 2011 destinados à implantação e revitalização de infraestrutura cicloviária.

Contudo, num evento promovido pelo meu mandato em agosto, na Câmara Municipal, a Prefeitura apresentou projeto para criar outros 300 quilômetros dentro do Plano Diretor Cicloviário curitibano.
Problema: não apresentou cronograma e nem a origem dos recursos. Não há no plano nenhum aspecto que verse sobre o incentivo ao modal.

Ao certo, Curitiba terá pelo menos mais 18,5 quilômetros de faixas exclusivas para as bikes até a Copa do Mundo. Isso se deve ao fato de 8,5 quilômetros já estarem em obras ou prontos na Toaldo Túlio e na Fredolin Wolf e à implementação do projeto de 10 quilômetros de uma nova ciclovia na Avenida das Torres.

Garante ainda a Prefeitura uma ciclofaixa na Avenida Marechal Floriano Peixoto, paralela à caneleta do expresso, junto com a obra de revitalização da avenida, do viaduto da Linha Verde até o Terminal Carmo com cerca de 4 quilômetros.

O resto é tudo promessa.

Tentando minimizar isso, meu mandato tem apoiado diversas ações para incentivar o modal. Na Comissão de Urbanismo e Obras Públicas da Câmara, a qual presido, conseguimos incluir a discussão da inclusão de uma ciclovia na reforma da Av. Cândido de Abreu, inclusive com a promessa do prefeito para que esta mudança seja feita no projeto. Ainda na Comissão, intermediei uma reunião entre Urbs e ciclistas sobre a licitação dos bicicletários, a ser realizada este ano, conseguindo mudanças significativas no edital, garantindo que se tornem úteis para os ciclistas.

Destinei uma emenda pessoal para estabelecimento de paraciclos em Curitiba no valor de R$ 60 mil e, para que estas obras sejam concluídas, iniciamos, junto ao IPPUC, a discussão do modelo de paraciclos a ser adotado na cidade. No debate da Lei de Diretrizes Orçamentárias na Câmara, fiz uma proposta de emenda para dobrar o valor do próximo ano para infraestrutura cicloviária, passando de R$ 2 milhões para R$ 4 milhões. Isto porque o orçamento de 2010 previa R$ 2 milhões, mas a prefeitura gastou apenas R$ 217 mil. Infelizmente a emenda não foi aprovada.

Mesmo havendo diversas ações vindas da população em prol da bicicleta, fica a impressão de que, sem uma pressão popular maciça similar à ocorrida há quase 40 anos na Dinamarca, as mudanças continuarão tímidas e, sem dúvida, só virão muito tardiamente como um fator de melhora para o trânsito em nossa cidade.”

* Jonny Stica é vereador em Curitiba, arquiteto e urbanista.