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Por que o Brasil, grande produtor de comida no mundo, caminha para entrar no Mapa da Fome?

O prolongamento da pandemia do novo coronavírus, a ausência do auxílio emergencial e o aumento do desemprego formam um cenário propício para o crescimento da fome no Brasil.

ONGs dos mais variados setores estão tentando preencher o vazio deixado por governos sufocados economicamente e oprimidos pelo avanço do vírus, mas a queda “dramática” nas doações tem sido mais um obstáculo a ser transposto.

Brasil e o Mapa da Fome

O Brasil deixou o chamado Mapa da Fome em 2014 com o amplo alcance do programa Bolsa Família. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), baseado em dados de 2001 a 2017, mostrou que, no decorrer de 15 anos, o programa reduziu a pobreza em 15% e a extrema pobreza em 25%. No entanto, o país deve voltar a figurar na geopolítica da miséria no balanço referente a 2020.

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Folhapress / Luis Pedruco

Distribuição de marmitas no centro da cidade de Curitiba. Devido a falta de auxílio emergencial e aumento da pandemia, muitos brasileiros passam fome nesse momento, em 1º de abril de 2021.

E para piorar a situação, uma nova onda de demissões deve acontecer, e pessoas que não precisaram do auxílio no ano passado devem precisar agora, aumentando um drama para o qual não se vislumbra um fim no horizonte.

Daniel Balaban, representante do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas no Brasil e diretor do Centro de Excelência contra a Fome, falou com a Sputnik Brasil sobre o paradoxo de um país que é um dos maiores produtores mundiais de alimento e onde milhões de pessoas passam fome.

“Realmente é um contrassenso. O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, na realidade é o terceiro maior produtor atrás apenas de Estados Unidos e China, produz uma quantidade enorme de alimentos e infelizmente nós estamos vendo o recrudescimento, a volta da fome ao país. Mais uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa”, declarou Balaban.

Segundo ele, a exportação de alimentos do Brasil é extremamente importante, e hoje o agronegócio prefere — e é muito mais lucrativo — a exportação, porque US$ 1 vale quase R$ 6. “Então, nós estamos vivendo um problema econômico, porque as exportações elas são importantes para o agronegócio… A questão da fome no Brasil não tem relação com a falta de alimentos , nós temos alimentos suficientes para alimentar toda a população brasileira, mesmo depois da exportação”.

“O problema é o acesso aos alimentos, por conta das crises econômicas, das crises políticas que nós vivemos e agora muito mais fortalecido por conta da pandemia. Então, hoje as pessoas não estão conseguindo mais ter acesso aos alimentos porque muitos estão desempregados, aqueles que fazem bico não estão conseguindo sair por conta dos lockdonws e a pandemia ainda fortaleceu tudo isso, as pessoas estão sentindo muito o aumento da fome no país”, concluiu o representante do Programa Mundial de Alimentos

Ajuda mostra sinais de recuperação

A Sputnik Brasil também conversou com Rodrigo “Kiko” Afonso, diretor executivo da iniciativa conhecida como Ação da Cidadania. Ele falou que os níveis de doações tiveram uma quebra neste ano de 2021.

“Em 2021 a gente teve uma redução bastante significativa das doações que a gente vinha recebendo ao longo de 2020. Ano passado a gente teve uma média, por mês, de R$ 3,5 milhões em doações e este ano a gente começou o ano recebendo de R$ 200 mil a R$ 300 mil por mês, o que é obviamente muito pouco para uma atuação necessária nesse momento no Brasil”, disse Rodrigo.

​Medidas para arrecadar alimentos se espalham pelo país vindas de poder público, empresas, igrejas e organizações da sociedade civil. A Prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, iniciou uma campanha de coleta nas filas de drive-thrus da vacinação contra a COVID-19, enquanto o time de futebol do São Paulo iniciou na última quarta-feira (31) a coleta de doações no estádio do Morumbi.

Junto com essas ações, o diretor executivo da Ação da Cidadania disse que em março, com o início da campanha Brasil sem Fome, as doações cresceram e já estão chegando a uma escala de alguns milhões de reais doados, devendo chegar esse mês a um montante em torno de R$ 20 milhões vindos de empresas e pessoas físicas.

“A gente entende que a causa da queda nas doações muito provavelmente foi porque as pessoas, a sociedade como um todo, entendiam que houve uma diminuição dos casos de COVID-19, que íamos viver em 2021 uma redução drástica na questão da contaminação da COVID-19 e com vacina. Infelizmente nada disso veio, a vacina obviamente não veio, está chegando muito tarde e em um ritmo muito devagar, e também obviamente a COVID-19, com isso, aumentou muito, afetando de uma forma significativa toda a economia do Brasil, especialmente as pessoas mais vulneráveis”, avaliou Rodrigo.

Além desse sinal de aumento nas doações, outro alento foi o anúncio feito pelo governo federal na última quarta-feira (31) de que o novo auxílio emergencial deve beneficiar 45,6 milhões de famílias de baixa renda pelo país com aportes de R$ 44 bilhões e com início de pagamento agora em abril. Mas os valores e alcance estão longe de ser os mesmos do ano passado. Os valores pagos vão ficar entre R$ 150 e R$ 375, e vão alcançar menos famílias.

O auxílio emergencial pode ser um alívio, mas os mais necessitados já passaram três meses sem ele, em meio ao maior índice de desemprego no país desde 2012 — chegando à marca de 13,9 milhões de desempregados em 2020 —, o aumento sustentado dos preços e o pior momento da pandemia.