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Por mais evidências na educação

Políticas públicas não podem se basear em achismos

Rossieli Soares da Silva

O Brasil é um dos países que mais aumentaram o gasto real em educação nos últimos anos. Esse aumento foi feito de forma consistente, pois entende-se que a educação é direito fundamental, indispensável para que todos os outros possam ser efetivamente vivenciados. Contudo, o aumento do gasto é apenas o ponto de partida. Investimento não garante resultados e não assegura o direito à educação de qualidade.

Felizmente, existem estudos e pesquisas científicas que nos ajudam a orientar nossas ações e construir consensos mínimos. No campo da educação, há muita evidência daquilo que funciona e traz os melhores resultados. Por isso, o Ministério da Educação (MEC) iniciou um movimento que busca qualificar o gasto público utilizando mais evidências na elaboração, no monitoramento e na avaliação de políticas públicas.

Esse movimento resultou na criação da Rede de Evidências Educacionais, composta por instituições e especialistas focados em aproximar o MEC das evidências existentes. Composta por universidades, organismos multilaterais, organizações do terceiro setor e especialistas reconhecidos na área de evidências para a educação, a Rede tem como objetivo construir uma ponte entre o MEC e o conteúdo de qualidade que vem sendo produzido no Brasil e no mundo.

Um dos frutos dessa colaboração é a iniciativa inédita de avaliação de impacto experimental do Programa de Fomento ao Ensino Médio em Tempo Integral, instituído no final de 2016 em 900 escolas por todo Brasil e baseado em práticas nacionais exitosas. A adesão ao programa priorizou as escolas mais vulneráveis do país, sendo que parte delas foi selecionada por sorteio, o que permite a realização de uma avaliação de impacto metodologicamente rigorosa.

O desafio aqui é encontrar relação entre causa e efeito. Médias mais altas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) ou nas taxas de rendimento não comprovam que um programa deu certo. Afinal, como atribuir o desempenho ao programa e não a outros fatores?

São muitas as possibilidades existentes. Por exemplo, as escolas poderiam ter um bom desempenho antes da implementação do programa ou podem realizar processos seletivos, buscando apenas os melhores alunos. Avaliações de impacto, por meio de rigor estatístico desde o desenho do programa até seu monitoramento e avaliação, permitem encontrar evidências da tal relação entre causa e efeito, separando o joio e o trigo: o quanto do resultado obtido se deve ao programa e o quanto se deve a outros fatores.

O uso de evidências para guiar políticas públicas é prática comum entre os países mais desenvolvidos do mundo e nos países da América Latina que mais vêm melhorando seus indicadores educacionais, como Chile, Colômbia, México e Peru.

O Brasil ainda está engatinhando no debate sobre o uso de evidências, mas temos exemplos de iniciativas inspiradoras na Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e no Ministério da Saúde.

O uso de evidências não tem a pretensão de tirar a autonomia dos formuladores de políticas públicas, mas de embasar posições e orientar decisões de forma mais racional. O ideal é que as discussões sobre políticas públicas sejam cada vez menos baseadas em achismos e se apoiem em estudos de qualidade, no compartilhamento de experiências e nas tecnologias de informação. Como dizia o estatístico americano W. Edwards Deming: “sem dados, você é só mais uma pessoa com uma opinião”!

Rossieli Soares da Silva
Ministro da Educação e ex-secretário de Educação Básica do MEC (mai.2016 a abr.2018, governo Temer); indicado por João Doria para a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo a partir de janeiro

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https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/12/por-mais-evidencias-na-educacao.shtml