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Pedágio: diário de bordo de uma luta para se exercer o direito à cidadania

Pedágio: diário de bordo de uma luta para se exercer o direito à cidadania

por Ana Lucia Baccon

No mês de dezembro o Movimento Fim do Pedágio completou dois anos e nove meses de luta. Contar um pouco dessa história é refletir o quanto o atual modelo de pedágio imposto ao povo brasileiro é injusto, ilegal e imoral. Sempre escuto algumas pessoas afirmando: “vocês precisam lutar para abaixar o preço, não para fechar”. Vamos então relembrar um pouco da nossa luta e da nossa história.

Demos início a ela, no dia 28/3/06, quando iniciamos um abaixo assinado e em seguida, fomos até Londrina, junto a Econorte, humildemente solicitar uma isenção para os 10.800 carros e motos registrados no Detran de Jacarezinho ou uma redução da tarifa para os jacarezinhenses e infelizmente fomos muito mal recebidos e obtivemos “não” como resposta.

Em maio de 2006, a concessionária entrou com pedido de interdito proibitório contra mim, contra as professoras Elza Consolim Felipe e Maria Lúcia Vinha e contra qualquer jacarezinhense que fizesse qualquer manifestação nas praças de pedágio de Marques dos Reis, sob a pena de pagar multa de R$10.000,00 por dia.

Foi diante desse interdito que ao buscarmos alguém para nos defender é que acabamos descobrindo as ilegalidades denunciadas junto ao Ministério Público Federal. Como presidente da APP-Sindicato, expedi ofício ao DER solicitando os devidos documentos e contratos e depois de muito estudo, decidimos encaminhar um pedido de providências a todos aqueles da qual esperávamos guarida.

A começar no âmbito municipal, estadual e federal, encaminhamos pedidos de providências apontando algumas das irregularidades: mudança da praça de pedágio de Andirá para Jacarezinho sem concorrência e sem licitação, com um termo aditivo pegando mais 51,6 km da BR 153, que nem estava no contrato original; informamos a existência da portaria 155 do Ministério do Transporte que já havia determinado a nulidade do termo aditivo; além disso o fato desse pedágio ser intramunicipal, pois separa um bairro, um distrito (Marques dos Reis) do centro da cidade e questionamos também a distribuição de cartões de isenção distribuídos pela concessionária sem critérios, assemelhando-se ao tão criticado mensalinho ou mensalão no Brasil. Obtivemos ajuda e escuta apenas do Ministério Publico Federal que atentamente acolheu nosso pedido de providências, e ingressou com a Ação Civil Pública n° 20067013002434-3.

Portanto, como vimos acima, não deixamos de cumprir nenhuma etapa, dentro de nossos direitos de cidadãos, da ordem e da justiça, tentamos gritar, a injustiça que está posta em nosso município, pois estamos há quase sete anos pagando um pedágio não podia estar ali. Durante esse tempo, além dos abaixo-assinados, fizemos uma campanha de adesivos para carros, mais de 3000 adesivos distribuídos; campanhas com carro de som, para comunicarmos a comunidade da injustiça gritante que nos cercava.

Eis que então no dia 29/2/2008 é dada a tão sonhada e esperada sentença proferida pelo juiz federal de Jacarezinho, Mauro Spalding, dando o prazo de 10 dias para que a Econorte suspendesse a cobrança de pedágio em Jacarezinho sob multa de R$100.000,00 por dia, caso não cumprisse a decisão. Além disso, todos os órgãos envolvidos e denunciados (União, Estado do Paraná, DNIT, Der e Econorte) acabaram tornando-se réus na referida ação. Mas, infelizmente a concessionária consegue liminar suspendendo a eficácia da sentença, em ações cautelares ajuizadas no TRF4 de Porto Alegre, proferidas em 6/3/2008.

Em 29/5/2008, o Tribunal de Porto Alegre – TRF4 julgou improcedente as referidas ações cautelares, confirmando a imediata eficácia da sentença. Neste episódio, conseguimos manter a praça de pedágio fechado por cinco dias. Mas, novamente a concessionária no dia 9/6/2008 consegue suspender a ordem, dessa vez, suspendendo a eficácia da decisão da Terceira Turma do TRF4, nas referidas ações cautelares em virtude de suspensão de execução de liminar deferida pela presidente do TRF4.

No dia 25/6/2008, nova decisão, a presidente da colenda Terceira Turma do TRF4 determina o imediato cumprimento à decisão daquele órgão colegiado.  Ou seja, criou-se um grande conflito dentro do próprio Tribunal de Porto Alegre, visto que a Presidente da Egrégia Terceira Turma determinava o fechamento das referidas praças de pedágio e ao mesmo tempo a Presidente do Tribunal, determina a abertura, com uma decisão de “ordem política”.

O dia 23/10/2008 foi um marco importante à nossa história, a Corte Especial do TRF4 por 13 votos a 2 suspende a decisão da presidente desse Tribunal, ficando vedado à mesma, proferir julgamento de ordem política que revogue ou prejudique aquilo que foi decidido pela Turma. Obtivemos com essa decisão o alívio e o sonho que a justiça corrigiria a injustiça posta em nosso município. Passamos a viver a campanha do “só por hoje”, saboreando dia-a-dia, o reconhecimento de que nossa luta valeu a pena. Decisão esta que durou exatamente 2 meses.

No decorrer desse tempo, a concessionária entrou com pedido de suspensão de liminar e de sentença no STJ- Superior Tribunal de Justiça em 28/10/2008 e novamente teve seu pedido negado pelo presidente desse respeitado Tribunal em 19/11/2008 afirmando que a concessionária busca defender direito próprio, preservando o seu faturamento enquanto durar a ação judicial.

Confirmando mais uma vez a tamanha ilegalidade e injustiça posta em nosso município no dia 10/12/2008 o TRF4 nega provimento às apelações da União e da Econorte e mantém o mérito da sentença do Juiz de Primeiro Grau, Mauro Spalding, fechando também, com essa decisão a praça de pedágio entre Cambará-Andirá. Data histórica, pois dessa vez conseguimos o fechamento de todas as praças de pedágios do Norte Pioneiro.

Durante esses 2 anos e 9 meses, fomos a Porto Alegre oito vezes, levamos oito mil assinaturas; à Brasília, quatro vezes, levando em todos os tribunais nossos memoriais que retratava a injustiça e ilegalidade da qual estamos cerceados e assim, dia-a-dia, construindo nossa história de luta e cidadania. É estranho, como educadora, observar que no Brasil, as coisas acontecem de forma contrária, exercer o ofício de cidadã, de cidadãos, deveria ser algo corriqueiro, que fizesse parte do nosso cotidiano. No entanto, aqui não, com um ato de cidadania, você vira matéria de jornal, de TV, sendo que deveria ser o contrário, pois ser honesto, exercer o direito de cidadão é obrigação de todos. De qualquer forma, acredito que um dia, isso será diferente, pois se deixar de acreditar que o nosso Brasil tem jeito, perco a minha função de educadora.

É chegado o momento de esclarecer para aqueles que abriram o debate sobre a questão de que com o fechamento do pedágio gera prejuízo para o nosso comércio, digo é muito medíocre pensarmos que é o “pedágio” que mantém o cidadão em Jacarezinho, ou em Cambará. Defendo a idéia de o comércio, precisa ter bom preço, qualidade, bom atendimento, porque senão, temos que voltar à idade média e murar nossas cidades, ou colocar um pedágio em cada saída para que ninguém gaste fora dela. Precisamos valorizar o que é nosso sim, mas não mantendo uma injustiça para que isso ocorra, até porque, vivemos em um Estado Democrático de Direito. Sempre enfatizei que a nossa luta, é única e exclusivamente para que a justiça corrija uma injustiça que está posta em nosso município, não é para atrapalhar o comércio de ninguém, nem muito menos para tirar o emprego de ninguém, até porque a concessionária, é que tem que ser responsabilizada por isso, pois a mesma sabe da existência da Portaria MT nº 155/2004 apontando a nulidade do termo aditivo desde 2004.

Dando seqüência a luta, por essas volta que destino e a justiça no Brasil dá, mesmo após 6 decisões favoráveis ao povo, à comunidade, o presidente do STF – Superior Tribunal Federal concede suspensão de liminar à Econorte no dia 22/12/2008 permitindo que mesma retorne a cobrança em Jacarezinho, afirmando que “tendo em vista as dificuldades financeiras enfrentadas pelos governos estaduais, não considera razoável a argumentação de que os serviços atualmente prestados pela concessionária poderiam ser retomados pelo poder concedente sem que isso implicasse prejuízos à sua adequada prestação”.

Excelência podemos questionar então qual a função do Estado? É impressionante a promiscuidade entre o público e o privado, entre o direito público e o direito privado que vem ocorrendo ultimamente, com nítido propósito de tentar subtrair os rígidos princípios que regem a atividade da Administração Pública. Do contrário, logo teremos a concessão dos serviços de segurança pública, de administração de justiça etc., esvaziando as atribuições próprias do Estado acabando por negar a razão de sua existência.

Caro ministro qualquer brasileiro sabe que esse honrado tribunal é o guardião da nossa carta magna, da nossa Constituição, que fez exatamente 20 anos em 2008. Quem garantirá então o art. 5° da Constituição, nosso direito de “ir e vir”, diante dessa ilegalidade tão gritante? Se a União e o Estado não têm condição de zelar pelas estradas, onde está sendo aplicado o dinheiro que pagamos em dose cavalar no IPVA e na CIDE da gasolina? Se não bastasse pagarmos ao poder público, ainda temos que pagar ao poder particular, para que se mantenha essa injustiça?

No caso em questão, de um lado, toda uma comunidade que, há anos vem SUPORTANDO UMA ILEGALIDADE PATENTE, de outro, uma empresa. De um lado, pessoas simples, sem notoriedade alguma, cidadãos comuns, que pagam os impostos e se alegram com a vida, de outro, o poder hegemônico, notório, conhecido, que se alegram com os lucros. Vida x capital. Simplicidade x poder. Pessoa humana x poder econômico.

 Não se pode mais aceitar que as grandes empresas ajam de forma desrespeitosa à Constituição e ao ordenamento jurídico vigente. Excelência, o Estado-juiz tem o dever de buscar a justiça.

A população de Jacarezinho e do Norte Pioneiro clama por respeito, que implica uma decisão justa!  

Diante de todo esse histórico de luta, podemos afirma de cabeça erguida e com muito orgulho: “querida Jacarezinho, ou infelizmente, combalida Jacarezinho, verás que alguns filhos teus não fogem a luta”.

Ana Lúcia Baccon é doutoranda em Ensino de Ciências e Educação Matemática – UEL