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Para Gerdau, burrice de criar mais ministérios está no limite

Fernando Rodrigues
Armando Pereira Filho

Folha de S.Paulo

O empresário Jorge Gerdau acha que o Brasil precisa “trabalhar com meia dúzia de ministérios ou coisa desse tipo” e não com as 39 pastas existentes na administração da presidente Dilma Rousseff.

Esse inchaço se dá por contingências políticas, mas “tudo tem o seu limite”, diz o presidente da Câmara de Políticas de Gestão da Presidência da República. Em entrevista ao Poder e Política, projeto da Folha e do UOL, na última terça-feira, ele completou: “Quando a burrice, ou a loucura, ou a irresponsabilidade vai muito longe, de repente, sai um saneamento. Nós provavelmente estamos no limite desse período”.

Apesar da frase quase beligerante, Gerdau disse conversar sobre esse assunto com a presidente da República, a quem elogia. “Eu já dei um toque na presidenta” e ela está “totalmente ciente” do que se passa, declara.

“Dentro da estrutura brasileira, o conceito de política atrapalha bastante a gestão. Mas… [pausa] a gente tem que encontrar os caminhos dentro das realidades que cada país tem”, afirmou o empresário em uma de suas raras entrevistas.

Embora enxergue avanços na gestão do país, suas previsões são de longo prazo. “Para deixar o país com planejamento competitivo em todas as frentes” um prazo de “dez anos é pouco”.

Um exemplo de como Gerdau avalia hoje a administração pública federal: “No Brasil, só tem quatro ou cinco instituições em que a estrutura de meritocracia e profissionalismo funcionam: Banco do Brasil, Banco Central, Itamaraty e Exército. Tem ainda o BNDES também”.

Entre os resultados de seu trabalho voluntário no governo federal, Gerdau cita “pequenas coisas”. Por exemplo, a capacidade de atendimento no aeroporto de Guarulhos: cerca de 900 passageiros por hora em 2011 e 1.500 agora.

A seguir, trechos da entrevista:

Folha/UOL – Há quase dois anos à frente da Câmara de Políticas de Gestão, o que foi possível avançar?
Jorge Gerdau –
O trabalho mais pesado que nós fizemos foi na Casa Civil. Com o PAC, que era uma estrutura que trabalhava dentro da Casa Civil. Foi para o Ministério do Planejamento. Foi necessário fazer uma reorganização para dar condições de administração para que a presidente possa acompanhar todos os projetos. Fez-se toda uma estrutura de informática.

Avançamos em várias coisas. No Ministério da Saúde, na área de logística, compra de remédios etc. Trabalhamos fortemente no Ministério dos Transportes.

Tem algum resultado objetivo?

Essa área de logística. [O Ministério da Saúde] tinha uma capacidade de atendimento de 40% da demanda. Até junho, nós vamos atingir um ritmo de atendimento de 80%. É um avanço concreto em benefício da população.

Outro exemplo prático foi em Guarulhos. O aeroporto tinha uma capacidade de atendimento de 900 pessoas por hora. De 2011 para 2012, nós conseguimos atingir um número próximo a 1.500 por hora. O que foi? Pequenas coisas. Ampliar o número de balcões, o atendimento dos passaportes e do controle da bagagem. Pequenas mudanças no layout. Coisas simples.

Apesar de avanços pontuais, dá impressão de que a máquina pública empaca ou anda sozinha. O sr. se frustra?

Não digo que tenha frustração, mas tive que desenvolver uma paciência que, historicamente, eu não tinha. As coisas vão, muitas vezes, mais devagar. Mas avançam.

O sr. diria que a política atrapalha a gestão?

[longa pausa] Dentro da estrutura brasileira, o conceito de política atrapalha bastante a gestão. Mas… [pausa] a gente tem que encontrar os caminhos dentro das realidades que cada país tem.

A política faz com que as tecnologias e a profissionalização das gestões da administração sejam insuficientes e insatisfatórias. Você tem que separar os três níveis: as funções e interesses de Estado, as de governo e de administração. País civilizado troca de ministro e muda duas, três pessoas de relação pessoal. A administração não muda. A estrutura de governança pode ter modificações de decisão política. Muda o partido, a cabeça do líder. Mas, no Brasil, só tem quatro ou cinco instituições em que essa estrutura de meritocracia e profissionalismo funcionam.

Quais são elas?

Banco do Brasil, Banco Central, Itamaraty e Exército. Tem ainda o BNDES. São órgãos que você vê funcionarem. Lógico que a direção desses organismos obedece a uma orientação política. Mas elas são profissionalizadas. O sistema privado todo trabalha em cima da meritocracia. As promoções são feitas por avaliações de competência. Isso é um passo que o Brasil ainda tem que atingir.

O Brasil acaba de ganhar, agora, o seu 39º ministério. O Brasil precisa ter 39 ministérios?

Não. Deveria trabalhar com meia dúzia de ministérios. Fazer um agrupamento de ministérios. Agora, na realidade, por contingência das estruturas políticas que você tem… Eu não sei quantos partidos nós temos hoje. A cada meio ano vem mais um. A cada composição dessas, novamente tem que ajeitar um ministério. Novamente falta o conceitual básico de que as decisões políticas tem que existir, mas a estrutura gerencial tem que ter estruturas administrativas. Esse fenômeno de ter esse número de partidos é consequência da estrutura política partidária que nós temos.

O número de ministérios…

O número de partidos faz com que eu tenha um ministério ou dois, conforme o número de partidos. Fica dividindo o bolo não por conceitos administrativos, mas por conceitos políticos.

O número de partidos vai aumentar. É uma lógica perversa. A gente vai acabar tendo cada vez mais ministérios?

É. Eu diria o seguinte: tudo tem o seu limite. Quando a burrice, ou a loucura, ou a irresponsabilidade vai muito longe, de repente, sai um saneamento. Nós provavelmente estamos no limite desse período.

Do jeito que está hoje, a presidente teria poder para reduzir o número de ministérios?

Poder, tem. Mas como o número de partidos vai crescendo cada vez mais, é quase impossível. O que a presidenta faz? Ela trabalha com meia dúzia de ministérios realmente chave. O resto é um processo que anda com delegações de menos peso.

A administração pública federal tem, mais ou menos, 20 mil cargos de confiança. É excessivo?

Absolutamente excessivo. Dentro do esquema que eu falei: funções de Estado, de governo e o resto seriam administrações estruturadas, com carreira, com meritocracia. Você deveria ter meia dúzia de cargos de confiança por ministério. O resto tem que ser de carreira.

O sr. fala isso para a presidente? Como ela reage?

Eu já dei um toque na presidenta sobre esse tema. A presidenta me deu a explicação que dei para vocês.

Que ela fica premida pela situação política?

Que a estrutura hoje é essa e tem que gerir nesses termos.

Causa angústia?

Ah, totalmente. Lógico. Mas eu tenho convicções de que esse processo de maturação tecnológica é um trabalho de anos. O governo federal tem todas as condições para avançar. O trabalho talvez mais interessante que nós estamos fazendo é estruturar em todos os ministérios o mapa estratégico.

O que seria isso?

Um processo desenvolvido em Harvard. Definir as metas principais sobre a visão estratégica. Depois, uma visão financeira. E depois uma visão de processo e de recursos humanos. Você faz uma definição clara da missão daquela organização. É um instrumento para que todo mundo que trabalha naquele ministério entenda para que esse ministério existe, quais são as metas.

O Brasil está com o mercado de trabalho superaquecido. Os salários pressionam. Como o país achará uma saída para esse quadro?

Buscar soluções de produtividade. No Brasil há um tema que é a não-competitividade do produto brasileiro e outro que é a análise da produtividade. São duas coisas que deveriam ser analisadas separadamente.

Eu tenho áreas na Gerdau com patamares de produtividade homem-hora semelhantes aos melhores do mundo. Agora, se eu tomar o que um operário no Brasil tem sobre o que ele leva líquido para a casa… Ele tem mais de 100% de baixo para cima. Outros países não têm. No Chile, por exemplo, um operário leva quase 85% para a casa daquilo que ele custa.

Custa para a empresa?

Para a empresa. Nos Estados Unidos os custos adicionais são extremamente pequenos. Poucos países usam a folha de pagamento como instrumento arrecadatório. O certo seria que a relação contratual entre a empresa e empregado se vinculasse apenas naquilo que é a relação de trabalho.

O sr. está dizendo que sem reforma trabalhista o país não sai desse labirinto?

Desse labirinto da não competitividade.

Não há mais o que fazer na gestão?

Na gestão tem o que fazer. Mas tem outros temas. Um é a educação, um fator decisivo na busca por produtividade.

Nas boas empresas só entra gente educada. Mas a produtividade acontece no chão de uma pequena atividade. Da capacidade de uma caixa saber fazer rapidamente as contas. Coisas desse tipo. Eu tenho um amigo meu que diz assim: ‘Pega uma garçonete lá na Alemanha e vê a produtividade. Ela leva o dinheiro no bolso [e faz as contas e o troco na hora]’. A soma dessas coisas é que faz a produtividade. Isso atinge toda a cadeia.

A presidente Dilma é ciente desses problemas?

Totalmente ciente.

Mas a presidente e o PT já estão há dez 10 anos no poder. Não foi tempo suficiente?

São perfis completamente diferentes da visão de liderança.

Mas ela foi chefe da Casa Civil em grande parte do governo anterior…

Mas como chefe de Casa Civil ela procurou organizar o PAC. Um instrumento importante para botar controle no que se investe no país. Mas isso não quer dizer que você conseguisse eficiência operacional em todos os ministérios.

Quanto tempo o sr. acha que nesse ritmo a presidente Dilma colherá resultados muito concretos?

Cada ano, cada dia, avança um pouco. Mas, para deixar o país com planejamento competitivo em todas as frentes, eu acho que dez anos é pouco.

Pouco?

Pouco.

Vinte anos?

Vinte talvez seja muito.