Arquivos

Categorias

Para construir uma nova ética

Para construir uma nova ética

Carlos Alberto Rabaça

A dissociação de valores pessoais dos valores comunais é, com certeza, uma característica básica do tipo de sociedade na qual vivemos. Podemos chamá-la também de liberação do indivíduo dos cerceamentos não especificamente impostos pela lei. É uma tentativa para moldar uma cultura onde o interesse comum no auto-interesse fornece o único laço que une as pessoas.

Recentemente, o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos afirmou, em entrevista, que a revelação das engrenagens da corrupção na Lava-Jato, embora represente progresso, ainda não enxerga a possibilidade de alteração no modelo que tem pautado a relação das grandes empreiteiras com os governos brasileiros.

Empresas ajudando o Estado e o Estado transformando normas para ajudar empresas numa interação criminosa.

Construir uma ética nova para os mundos político e empresarial é construir uma cultura.

Culturas dependem de pessoas trabalhando para fins comuns, compartilhando ideais de união, concordando sobre valores comuns. Erguem-se na plataforma das leis, rituais, costumes e instituições públicas que, juntos, dão forma e força, solidez e especificidade aos ideais e princípios.

Para ser viável, uma cultura deve constituir um terreno nutriente para o desenvolvimento e enriquecimento da vida humana. Se os valores são corruptos, por melhores que sejam as leis, ou se as leis e instituições estão moribundas, por mais sólidos que sejam os valores, esse desenvolvimento e enriquecimento ficarão ameaçados.

Um fato importante é que a cultura terá de oferecer maneiras pelas quais sejam satisfeitas certas necessidades humanas básicas, exigências que vão além do bem-estar físico.

Os seres humanos necessitam de um senso de significado, isto é, um meio (no mínimo) de lidar com o absurdo ou (no máximo) de desenvolver um sistema de crenças que dê sentido às coisas. Poucos podem viver com a ética severa de honestidade proposta por Freud. Mas uma cultura deve, pelo menos, fornecer algumas das respostas e um quadro de fundo onde as perguntas não respondidas possam ser buscadas.

As necessidades comunais que tenho em mente podem ser listadas de forma objetiva: a satisfação de necessidades econômicas e sanitárias básicas, a manutenção de instituições educacionais viáveis, a possibilidade de trabalho honesto, a preservação de recursos naturais, instalações residenciais satisfatórias e uma vida cultural que proporcione enriquecimento moral e estético.

O atual individualismo ético não pode ser mantido. Ele não consegue resolver os problemas nos casos em que pessoas com diversidade de valores têm que trabalhar juntas, lidando com problemas comuns, não pode criar o senso necessário de confiança que deve alicerçar qualquer comunidade.

O único modo de lidar com conflitos de valores deve ser através dos tribunais e do Legislativo. Estes são chamados, cada vez mais, a decidir questões da maior seriedade: fornecer uma estrutura para as regras morais e um núcleo de ética comum para as relações na sociedade. O propósito de uma ética social é estabelecer um espaço mediador entre valores e desejos de indivíduos e as necessárias exigências e repressões que a vida em comum impõe.