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Outra afronta ao teto salarial

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Para gerir os repasses, a AGU teve de criar um Conselho Curador, cujos membros são eleitos pelos funcionários do órgão

Editorial, Estadão

A exemplo dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, os integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU) também não pouparam esforços para aumentar o contracheque e burlar o teto salarial fixado pela Constituição – hoje de R$ 33,7 mil – para o funcionalismo público. Só entre janeiro e julho deste ano, os 12,5 mil advogados e servidores do órgão receberam um benefício extra de R$ 283,3 milhões. Até os aposentados embolsaram parte desse valor.

Além disso, seguindo o exemplo dos magistrados e dos procuradores de Justiça, os membros da AGU – uma das carreiras mais bem remuneradas da administração pública, com vencimentos iniciais de R$ 17,3 mil – entendem que os valores recebidos a título de benefício funcional não estão sujeitos ao teto salarial do funcionalismo estabelecido pela Constituição, o que lhes permite ultrapassar o limite de remuneração de R$ 33,7 mil mensais. Ainda com base nesse entendimento, a AGU não inclui no Portal da Transparência informações detalhadas sobre o pagamento desse benefício a cada servidor.

Enquanto no caso dos juízes e dos procuradores os benefícios envolvem auxílio-moradia, auxílio-creche, auxílio-educação, ajuda de custo, gratificações e outros penduricalhos, no caso dos advogados da União o pagamento extra vem do repasse dos chamados honorários de sucumbência – os valores pagos pelas partes derrotadas em litígios judiciais a quem venceu os processos. Até recentemente, a legislação determinava que esses valores pertenciam à parte – ou seja, à União. Contudo, os integrantes da AGU pressionaram a Câmara e o Senado durante a votação do novo Código de Processo Civil, em 2015, e conseguiram incluir no texto a previsão de que “os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”. Eles voltaram a se mobilizar em 2016 e conseguiram que o Congresso aprovasse essa lei, determinando que os valores da sucumbência pertencem a eles. Isso obrigou os Ministérios do Planejamento e da Fazenda a baixar uma portaria no final de 2016, regulamentando os repasses, cujo valor bruto já chega a R$ 5 mil por mês em alguns casos. Para gerir os repasses, a AGU teve de criar um Conselho Curador, cujos membros são eleitos pelos funcionários do órgão.

Ao justificar esse pagamento extra, que passou a ser concedido indiscriminadamente a todos os advogados da União, inclusive aos que perdem causas judiciais, os integrantes da AGU alegam que não estão onerando os cofres públicos, pois os valores da sucumbência seriam privados, por virem de contribuintes que litigam contra a União. Portanto, são recursos que não se enquadram no conceito de finanças públicas nem como receita nem como despesa – dizem eles. Também afirmam que esse pagamento é “a forma mais moderna e eficiente de remuneração”, na medida que atenderia “aos preceitos da meritocracia”.

Esses argumentos – também invocados por advogados públicos de Estados e municípios – primam pelo absurdo e pela hipocrisia, pois esses profissionais já recebem vultosos salários mensais, independentemente de seu desempenho ou produtividade. Também não arcam com qualquer ônus quando perdem causas nos tribunais. E, sobre a publicação dos valores de modo individualizado no Portal da Transparência, os dirigentes do Conselho Curador chegam às raias do cinismo ao afirmar que, por “liberalidade e em atenção aos princípios republicanos”, encaminham as informações ao Ministério da Transparência, ao qual caberia a responsabilidade por sua divulgação.

Como nas demais carreiras jurídicas do Estado, os advogados públicos também insistem em afirmar que benefícios pecuniários fazem parte das prerrogativas de que necessitam para exercer sua função. Esquecem, contudo, de que os pagamentos extras não são prerrogativa, mas uma apropriação imoral de recursos da coletividade. Isso dá a medida das dificuldades que o País tem de enfrentar para superar a maior crise fiscal de nossa história.