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O País dividido: coxinhas X petralhas

“No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal: meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro” – Manoel de Barros

romanelli

Luiz Claudio Romanelli

Os fatos políticos da última semana que ocuparam todos os espaços dos noticiários apontam para um quadro que clama por muita atenção de todos. Vive-se em tempos de briga de torcida na política. É um clima em que se perde o espaço para o diálogo na construção de consensos eletivos que podem enfrentar a crise, que se institucionaliza – e a qual requer muito, mais muito mesmo, empenho e desprendimento de todos os atores sociais.

É também um tempo de tristeza com tudo o que está acontecendo com o país na jovem e incipiente democracia. Há situações intoleráveis, situações de indignação, de desencanto, de degradação da moral pública, de esmorecimento de sonhos e de um flerte muito perigoso com o retrocesso político.

Não podemos permitir a volta daquilo que combatemos e vencemos, mas que custou a vida de muitos. Não se pode perder no horizonte e nem retroceder décadas de conquistas sociais, de políticas compensatórias, transferência de renda e de acesso ao ensino superior porque estão vinculados a este ou aquele projeto político. O bom combate político não pode ter espaço para satanização das conquistas históricas que permitiram a inserção social de camadas mais pobre da população que antes vivia em condições extrema penúria e de abandono.

Este é um ponto. O outro está no campo da lei, das apurações dos desmandos, dos casos de corrupção que devem garantir todo o direito de defesa aos réus e acusados, mas também deve punir, de forma exemplar, todo e qualquer mal feito com o uso do dinheiro público. Aqui, vale o ditado popular, “pau que bate em Chico, também bate em Francisco” que, trocando em miúdos, significa que ninguém por mais influente que seja, estará fora do alcance da Justiça e do rigor da lei.

Isso também é um duro aprendizado para quem faz da política uma missão de vida, mas que compromete o “projeto de poder” com o patrimonialismo, a usura e o vilipêndio da coisa pública, usando-a como uma extensão privada do seu bem querer. Também é um alerta para a militância que mitifica líderes e que se deixa levar pela falta de crítica e para rumos de interesses pouco confessáveis.

São situações que se exacerbam no atual contexto, mas que não podem acabar com o diálogo – outra característica desse triste momento em que o país vive. Hoje, o símbolo da impossibilidade do diálogo – ou se é coxinha ou se é petralha – está no panelaço, no enfrentamento nas ruas, no achincalhe público em restaurantes. É caminho, como dizem os especialistas, da venezualização – algo que tomou conta do dia-a-dia da Venezuela desde a eleição de Nicolás Maduro em 2013. Não há nenhuma possibilidade de construção de qualquer proposta sem conversar, trocar argumento e chegar há um consenso mínimo.

Na Liderança do Governo, nas horas mais difíceis de 2015 e não foram poucas, pautei a condução das propostas do governo com muito diálogo e respeito com professores, trabalhadores e lideranças dos sindicatos, apesar de todas as diferenças. Essa é uma marca dos meus mandatos do qual não abro mão. Sem conversa não há solução.

Os desafios que se impõem neste momento e que, reiteradamente, tenho conversado com os colegas parlamentares, amigos, lideranças, jovens, trazem uma receita simples que deve ser bem trabalhada: a política quem que oferecer o exercício da cidadania e protagonismo de todo cidadão para que ele possa se assumir como sujeito da história.

Neste final de semana, assisti a entrevista do ex-governador Olívio Dutra (PT-RS) ao jornalista Roberto D’Avila na GloboNews. Dutra fala do próprio desencanto com seu partido, mas atenta: “A democracia precisa se qualificar, o que significa avançar nos direitos que o povo conquistou e não recuar. Avançar no controle da sociedade sobre o Estado, e não sobrepor o Estado sobre a sociedade e muito menos privatizar o Estado. O Estado não tem de ser máximo nem mínimo, tem de ser eficiente e do tamanho das necessidades do povo e sob o controle da cidadania ativa e efetiva”.

As palavras de Olívio Dutra podem ser o começo de um bom debate que, particularmente, eu estou disposto a travar. Com muito diálogo.

Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista de gestão urbana, é deputado e líder do Governo na Assembleia Legislativa.

Foto: divulgação