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O novo orçamento familiar

O peso do transporte nos gastos familiares superou o da alimentação pela primeira vez na série histórica da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE

Editorial Estadão

Em dez anos, as famílias brasileiras passaram a gastar mais com transporte do que com alimentação. Entre 2008 e 2009, as despesas com alimentação correspondiam a 19,8% dos gastos totais das famílias e as com transporte, a 19,6%; entre 2017 e 2018, o peso do transporte nos gastos familiares superou o da alimentação (18,1% contra 17,5%) pela primeira vez na série histórica da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa mudança, detectada pela POF 2017-2018, é reveladora de outra transformação ocorrida na renda da população. Ela aumentou e, à medida que a renda aumenta, a despesa com alimentação consome fatia menor do rendimento. “Se você ganhar o dobro vai gastar o dobro com alimentação?”, pergunta o analista do IBGE Leonardo Vieira. “Não, você vai gastar com outras coisas.” É possível que, com o aumento da renda, cresçam também as despesas com comida, mas não necessariamente na mesma velocidade, daí a redução do peso do item alimentação no orçamento familiar e o aumento de outros, entre os quais transporte.

Estendendo-se essa comparação para um período mais longo, pode-se ter uma visão mais ampla, ainda que pouco precisa, da evolução da renda. Entre 1974 e 1975, quando a pesquisa do IBGE se chamava Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef), a alimentação respondia por um terço (ou 33,9%) dos gastos totais. Essa participação se reduziu para 20,8% entre 2002 e 2003, de acordo com a POF, e continuou a cair, até que, na pesquisa mais recente, foi superada pelo peso dos gastos com transporte no orçamento familiar.

Uma parte da redução da participação da alimentação no orçamento familiar pode ser consequência de mudança de hábitos das famílias, que, em razão de dificuldades financeiras, podem ter substituído itens de maior valor por outros mais baratos. Além disso, esse é o período em que, a despeito da crise da economia brasileira, o agronegócio brasileiro continuou a registrar notáveis ganhos de produção e de produtividade, o que pode ter tido alguma contribuição para a redução proporcional dos custos da alimentação.

Nos últimos anos, também cresceram proporcionalmente os gastos com habitação, saúde e educação. Alguns aumentos foram bastante expressivos. Os gastos com assistência à saúde, por exemplo, praticamente duplicaram proporcionalmente, passando de 4,2% do orçamento das famílias no período de 1974 a 1975 para 8,0% na última edição da POF. Os gastos com educação passaram de 2,3% para 4,7% do total das despesas familiares.

Gasta-se proporcionalmente mais com alimentação fora do domicílio, o que pode ter relação com o aumento do número de pessoas da família trabalhando fora ou com o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho.

Da renda mensal média de R$ 5.426,70 por mês em 2018, as famílias destinaram ao consumo 81%, praticamente a mesma proporção observada na pesquisa relativa a 2008 e 2009 (81,3%). Do que sobrou, cresceu a fatia destinada a pagamento de impostos e contribuições trabalhistas (de 10,9% para 11,7%). Também aumentou proporcionalmente o peso dos gastos com redução da dívida (de 2,1% para 3,2% do orçamento familiar). Diminuiu, em consequência, a fatia destinada ao aumento de ativo (despesas com compra, construção ou reforma de imóvel e investimentos diversos), que passou de 5,8% para 4,1%.

A POF 2017-2018 mostrou também a persistência da forte concentração de renda no País. Um quinto, ou 20%, de toda a massa de renda gerada era detido por 2,7% das famílias; no outro extremo, a faixa mais pobre, formada por 25% do total de 69 milhões de famílias, absorvia apenas 5,5% de toda a massa de rendimentos e variação patrimonial. Há também desigualdade entre as áreas urbanas e rurais e entre as regiões. Nas famílias de renda mais baixa é grande o peso da renda decorrente de transferências, como aposentadorias, pensões e o programa Bolsa Família.