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O mendigo que vive na sua rua

Por Paula Melech, em O Estado do Paraná:

São três horas da tarde quando uma equipe da Fundação de Ação Social (FAS) é acionada para verificar a situação de um morador de rua no Água Verde. Além do endereço, sabem apenas que se trata de um homem com a barba longa. Menos de meia hora depois localizamos seu Antônio Jacob Letrinta Filho caminhando cambaleante nas proximidades do cemitério.

Lição de Vida

“Trabalhar com isso é ter muito amor pelo próximo, uma vontade mesmo de se doar pelo outro”. A frase dita pela educadora social Elenir Araújo minutos antes da abordagem se comprova na prática quando ela vai até Jacó, como é conhecido o mendigo encontrado no Água Verde. Com paciência ela o convence a jogar fora as 4 garrafas de cachaça que ele planejava beber naquela tarde para acompanhar a equipe até a sede da FAS, onde é um velho conhecido.

Os 5 anos que trabalha como educadora social mexeram com Elenir. “É uma lição de vida isso aqui. A gente aprende a não reclamar da vida”. A Kombi segue em direção à Conselheiro Laurindo, no centro. O cheiro de Jacó se impondo apesar do vento. “Quer abrir a janela?”, me pergunta o outro educador social que nos acompanha, Cid Araújo, que apesar do sobrenome não é parente de Elenir. Respondo que estou bem e aproveito para ouvir as histórias de Jacó, que fala sem parar e às vezes até canta no embalo etílico.

Há vagas

A situação relatada no início desta reportagem é apenas uma das cerca de 60 ocorrências recebidas diariamente pelo telefone 156. Nas noites frias de inverno e nos dias chuvosos as ligações disparam para picos de até 120 ocorrências. Aqueles que são convencidos a acompanhar os educadores adentram uma rede com 5 albergues e 1,3 mil vagas. O número de refeições servidas é muito maior.

As portas da FAS estão sempre abertas, assim como os corações dos funcionários. O clima é receptivo e o atendimento respeita a vontade dos moradores de rua. Tendo vaga dá pra dormir, se é fome que bate tem café da manhã, almoço, lanche da tarde e sopa pro jantar. “Ninguém é obrigado a ficar aqui, mas quem fica tem que seguir as regras da casa”, explica Luciana Kusman, coordenadora do resgate social da FAS.

“Há muitos que nos procuram apenas pra comer, mas já dão conta de ter o seu cantinho”, conta Luciana. É o caso de dona Olinda, há três meses resgatada sob o Viaduto do Capanema, hoje aluga um quartinho numa pensão, mas vem todos os dias à sede da FAS. Responsável pelo resgate de dona Olinda, Elenir se emociona diante da garra dessa senhora de 74 anos.

Todas as noites, principalmente no inverno, quase 300 pessoas chegam à procura de cama pra dormir. A FAS se torna a casa de muita gente, quase 70 pessoas fazem do abrigo o seu lar. Mas atender a todos esses cidadãos do asfalto é difícil: embasada nos dados preliminares de um censo que a FAS desenvolve em parceria com a PUC-PR, Luciana estima que aproximadamente 2,3 mil pessoas vivem nas ruas da capital. A pesquisa deve ficar pronta nos próximos meses e servirá de subsídio para as estratégias para enfrentar a situação.

Frio

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