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O bendito teto

O desrespeito da Justiça aos limites para suas despesas evidencia a urgência de reformas

Editorial, Estadão

Em 2019, sete dos oito órgãos que compõem o Poder Judiciário e os dois que constituem o Ministério Público romperam o teto de gastos em R$ 2,450 bilhões. A infração não acarretará sanções, já que o excedente foi compensado pelo Executivo, mas revela a falta de compromisso do Poder Judiciário e do Ministério Público em relação ao equilíbrio das contas públicas. A partir deste ano, contudo, esse compromisso terá de ser assumido a gosto ou contragosto, uma vez que os demais Poderes não poderão contar com o Executivo para cobrir seus excessos.

O Poder Judiciário executou R$ 2,36 bilhões acima do teto. O maior estouro foi o da Justiça do Trabalho, que gastou R$ 1,63 bilhão além do seu limite. Em seguida vieram a Justiça Federal (R$ 514 milhões), Justiça Militar (R$ 97 milhões), Justiça do Distrito Federal (R$ 80 milhões), Supremo Tribunal Federal (R$ 70 milhões), Justiça Militar da União (R$ 6,62 milhões) e Conselho Nacional de Justiça (R$ 3,8 milhões). Além disso, o Ministério Público da União ultrapassou o teto em R$ 90,05 milhões.

Os tetos foram estabelecidos em 2016 pela Emenda Constitucional 95, que prevê os limites de gastos para os próximos 20 anos. Nos últimos três anos eles foram sistematicamente rompidos. Ocorre que a Emenda previu uma regra de transição, pela qual o Executivo poderia compensar os excessos até 2019. A partir deste ano, contudo, os Poderes precisarão se enquadrar aos seus respectivos tetos, caso contrário serão proibidos de conceder reajustes, criar cargos, alterar estruturas de carreira, contratar pessoal e realizar concursos públicos.

Em média, 85% dos gastos desses órgãos são com pessoal e seus benefícios (auxílio-saúde, moradia, alimentação, etc.). Tudo somado, as despesas obrigatórias perfazem 89% dos gastos. Os 11% restantes cobrem infraestrutura (luz, limpeza, manutenção, etc.), além de investimentos em inovação e outras despesas discricionárias. É sobre elas que recairão os cortes, com o risco de prejudicar a prestação de serviços à população.

Segundo projeções da Instituição Fiscal Independente do Senado, em 2020 o Ministério Público precisará reduzir cerca de 10% dos seus gastos discricionários e o Judiciário quase 6%. Mas alguns órgãos precisam realizar cortes particularmente dramáticos. A Justiça do Trabalho, por exemplo, precisa reduzir em quase 40% seus gastos não obrigatórios. Como essas estimativas foram feitas em meados de 2019, quando a expectativa de quebra do teto era menor, os cortes devem ser ainda maiores. Para ter uma ideia, à época previa-se que a Justiça do Trabalho estouraria o teto em R$ 1,119 bilhão. Na prática, o estouro foi de R$ 1,63 bilhão.

Este desrespeito sistemático da Justiça em relação aos limites impostos pela Constituição evidencia a necessidade de reformar amplamente a máquina pública. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186/19, não à toa denominada PEC Emergencial, é essencial para se garantir o cumprimento dos dois principais dispositivos constitucionais de equilíbrio fiscal: o teto de gastos e a “regra de ouro”, segundo a qual o governo não pode “realizar operações de crédito que excedam o montante de despesas de capital” (art. 167, III). A PEC, em tramitação no Congresso, autoriza o corte de despesas obrigatórias, a principal ameaça ao cumprimento do teto, sempre que a despesa corrente superar 95% da receita corrente.

Além disso, é indispensável para a sustentabilidade do Estado a implementação de reformas administrativas que adaptem o serviço público às necessidades e contingências do tempo presente, a começar pela eliminação de privilégios, em especial os acumulados pela sua elite, justamente o Judiciário e o Ministério Público. Entre 2013 e 2018, enquanto a massa salarial dos empregados do setor privado encolhia 0,7%, os vencimentos e benefícios dos agentes públicos cresceram 12%. Em boa hora vem se impor sobre suas cabeças este teto, forçando-os a pôr os pés no chão.