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No campo, posse e porte de armas são vistos como direito essencial à defesa

 

Para proprietários rurais, demora da polícia em chegar a locais afastados os expõe a assaltantes

Katna Baran e Paula Sperb

Dois motivos levaram o produtor rural Djalma Pastorello a ajudar a eleger Jair Bolsonaro (PSL) presidente do Brasil: a defesa que o político faz do acesso às armas e sua oposição ao PT, que, a seu ver, tinha como projeto dificultar o armamento da população para que estas não impedissem os supostos objetivos do partido.

Coproprietário de uma área de cerca de 97 hectares a 15 km do centro de Foz do Iguaçu, extremo oeste do Paraná, Djalma, 59, ainda aguarda as prometidas novas regras para porte e posse de armas.

“A flexibilização (do armamento) é excelente, porque aí não é só bandido que tem direito”, diz. Ele divide com os irmãos o terreno onde planta milho e soja e cria animais.

O produtor não tem licença de porte, pois não tem curso de tiro, mas mantém dois revólveres no terreno: um de calibre .38, cano curto, registrado, e uma garrucha .32 que era do avô, a qual ele espera regularizar “com as novas regras” que tramitam no Congresso após Bolsonaro retirar o decreto em que fazia a mudança.

Embora ofuscados pela reforma da Previdência, os projetos que tratam do porte e da posse de armas no Brasil, está na mesa diretora da Câmara a proposta já aprovada no Senado que permite ao proprietário e a funcionários rurais andar armados em toda extensão da propriedade, e não apenas na construção principal, como prevê atualmente o Estatuto do Desarmamento.

A Câmara não declara quando votará o projeto, mas o texto é um passo nas promessas de campanha de Bolsonaro que tratam da questão.

No final de junho, o presidente revogou o decreto que editara em maio para regulamentar regras de aquisição, cadastro, registro, posse, porte e comercialização de munições e armas de foto no país.

Diante da reação pública majoritariamente negativa, o governo mudou a tática: editou novos decretos e mandou ao parlamento um projeto de lei sobre o assunto.

Segundo a pesquisa mais recente do Datafolha, que ouviu 2.086 pessoas nos dias 4 e 5 de julho e tem margem de erro máxima de dois pontos, 70% da população brasileira se opõe à ampliação do direito de porte. Declaram-se contra a flexibilização da posse 66%, o maior índice desde 2013.

A principal justificativa dos defensores do projeto para ampliar o porte de arma no campo é a falta de segurança nas áreas afastadas das cidades, sem policiamento ostensivo e sujeitas a criminosos.
Djalma diz que nunca precisou usar sua arma na área rural, mas já atirou para espantar possíveis assaltantes que tentavam invadir sua residência no centro na cidade.

“Dei uns tiros para cima que os caras estão correndo até hoje”, diz. No entanto, ele discorda que a arma sirva para matar —seria “para assustar”, considerando que a polícia demoraria 20 minutos para chegar ao local onde ele mora no caso de alguma ocorrência.

Na época, Djalma vivia com a então esposa e três filhos, hoje já adultos. Hoje, ele frequenta a propriedade com as duas filhas mais novas, uma de dois anos e outra de três meses. “São meninas, mais reservadas, não são como os garotos, bagunceiros, mas as armas ficam muito escondidas, só eu sei onde está”, declara. “Deveria ser assim com qualquer um que tenha arma.”

No interior de Passo Fundo (RS), a 228 km de Porto Alegre, a história foi diferente. No início de fevereiro, um agricultor se deparou com quatro criminosos furtando sua fazenda e reagiu. Dois assaltantes morreram e dois foram feridos, hospitalizados e presos.

“Ao chegar, o agricultor conta que viu a movimentação na casa com luz acesa e teria sido recebido a tiros. Ele reagiu, e dois morreram”, afirma o delegado Gilberto Mutti Dunke.

O inquérito ainda não foi concluído, e o nome do agricultor foi mantido em sigilo. Segundo Dunke, faltam algumas perícias. Por ter agido em legítima defesa, a situação do homem se enquadraria no atual excludente de ilicitude, previsto no Código Penal.

O que parte dos defensores do armamento no campo parece ignorar é que os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), alvo de críticas da maioria dos proprietários rurais, também poderia portar armas legalmente em suas propriedades.

Quando um latifúndio improdutivo passa pela reforma agrária —com indenização dos antigos donos—, os assentados têm acesso a pequenos lotes onde plantam.

Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), existem 973.451 famílias vivendo em assentamentos ou áreas que passaram pela reforma.

“Armamento no campo não resolve. A violência é um problema social no mundo todo. O campo pode até ser inseguro, mas a melhor segurança é um vizinho cuidar do outro. No nosso assentamento, nos avisamos de qualquer movimento estranho”, diz Juraci Lima de Oliveira, 65, do Assentamento Itapuí, em Nova Santa Rita, região metropolitana de Porto Alegre.

A família produz alimentos orgânicos certificados, sem agrotóxicos. Eles plantam aipim, repolho, alface, espinafre e outras verduras e legumes adquiridos pelo município para a merenda escolar.

Apesar da vigilância citada por Oliveira, lideranças do MST não raramente são vítimas de assassinato.

Entre 1985 e 2019, houve 1.938 assassinatos de posseiros, sem-terra e trabalhadores rurais, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra.

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