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Monstro exorcizado

Do site Megafone – Pedro Lichtnow

Sem autodesculpas, preferi não comparecer. Aquele sublime momento para muitos homens pareceu-me inconveniente e inoportuno. Talvez seja recíproco demais com as pessoas, enquanto parte íntegra de minha personalidade. Era um convite pela metade, sem aquele esmero tão luminoso das verdadeiras amizades. Não senti fulgor, muito menos intensidade, apenas mera obrigação e o mínimo de consideração pelo tempo de convivência.

Claramente, houve vacilo para transmitir o aviso, incorporar o contexto e integrar as nuances ao longo do caso. Nem mesmo a outra metade do acordo conhecia. Tudo bem, mas esta ausência, minha falta, percebida ou não, erigiu ao longo de várias situações, de tantos devaneios etílicos alheios e, certamente, pelo excesso de autoafirmação.Sempre ficou evidente e translúcida como a imposição do alterego pôde transformar uma possível admiração em pura ojeriza. Não tenho dúvidas que toda autoafirmação, traduz-se, na mais completa insegurança e imperfeição da consciência. Ainda mais quando sustentada pelas fragilidades dos amigos que o queriam bem. Acho que tudo não passou de ilusão, a começar pelo Chinaski, aquele pobre e purulento pub.

Chinaski, o bar, como referência ao personagem mais afamado do velho rabugento Bukowiski, o mais underground dos romancistas do século XX, com ascendência aos beats. Afinidades direto da baratrostera tendem, realmente, a não seguir tanto tempo adiante. Ainda mais quando se decide abandoná-la.

Eu optei por outra forma de vida. Ainda a arquiteto, mas desde que decidi seguir esse caminho perdi o respeito e a reciprocidade. Não importa porque tenho ciência das implicações quanto às escolhas. Cansei de toda a rispidez despercebida, da falta de bom senso, de contemplação indicativa e da insignificância personificada, que insiste em alardear aos quatro ventos o quão superior pensa ser, mas no fundo, simplesmente o deseja.

Aquela incorporação de monstro não passava, a valer, de uma demonstração bestial de imaturidade, infantilóide e de interpelação afetiva. Tudo, tudo, ancorado por um ego inflado de vaidades, prepotência e incoerências. Este mesmo ego persiste em subestimar a inteligência evolutiva das pessoas, dos amigos próximos. Neste caso específico, não chega a ser erro, mas burrice minimizar a capacidade perceptiva e sensorial dos outros.

Chegou o momento de libertar-me, exorcizar os monstros que acercam e envolvem minha vida. Remover todo o bagulho energético dos armários das relações defasadas, sem magoas ou rancor, mas pelas escolhas lúcidas da existência. É a hora de construir novos vínculos, sintonizar-me com amizades distintas, grupos evolutivos e resgatar o núcleo cármico autêntico, da própria raiz da existencialidade, com vistas a recuperar os verdadeiros elos que preenchem a alma do éter da vida.