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Lula e a Previdência

Editorial, Estadão

Uma reforma da Previdência para racionalizar o regime de aposentadoria e pensões no País, mirando particularmente as distorções no setor público, e que, para tanto, entre outras providências estabelece a taxação de servidores inativos, idade mínima para a aposentadoria e teto para a concessão de benefícios… O leitor desavisado dirá que se trata da reforma da Previdência que o governo está tentando aprovar no Congresso Nacional ainda este ano. E errará redondamente. Trata-se da reforma da Previdência que, articulada pelo então ministro da Fazenda Antonio Palocci, dentro do espírito da Carta aos Brasileiros, se converteu na primeira grande vitória parlamentar do governo Lula, em 2003.

A proposta governista sofreu então forte oposição dos setores radicais do PT, da esquerda, dos movimentos sociais e das centrais sindicais. Estas, no dia da votação, promoveram a invasão e depredação do Congresso. Na votação, a reforma proposta pelo governo petista foi aprovada com forte apoio dos oposicionistas PSDB e PFL (hoje DEM). Contou também, como se veio a saber depois, com os votos dos parlamentares cooptados pelo esquema do mensalão.

Vários deputados petistas que não acataram a orientação do Planalto naquele episódio foram expulsos do partido, com o aval de Lula. Sobre eles o então presidente da República declarou em entrevista a Veja: “Eu pensava que as pessoas ligadas ao nosso projeto deveriam assumir a responsabilidade de ser governo. Mas percebi que elas escolheram outro caminho. Que o sigam. A opção delas é legítima e o povo julgará quem está certo”. Mas o PT não esperou o “julgamento popular” sobre a “opção legítima” de seus dissidentes e tratou logo de expulsá-los.

A vitória obtida no Congresso em 2003 estimulou o governo Lula a cogitar adiantar ainda mais a reforma da Previdência, já que até então a política fiscal e econômica era orientada pelos parâmetros de fortalecimento institucional estabelecidos pelo governo Fernando Henrique. Se tivesse perseverado nesse objetivo, Lula provavelmente teria evitado, ou pelo menos minimizado, a gravíssima crise fiscal e econômica provocada pela “nova matriz econômica”, que resultou no impeachment de Dilma Rousseff.

A partir dos extraordinários níveis de popularidade que conquistou logo em seu primeiro mandato, Lula poderia ter colocado seu enorme prestígio a serviço de um grande projeto nacional de reformas, do qual aquela primeira etapa da previdenciária teria sido o início. Ocorre que, não resistindo às tentações do poder, Lula optou por priorizar a consolidação do projeto hegemônico do PT, ou seja, o seu próprio, para o que preferiu evitar o desgaste do confronto com os radicais, inclusive dentro de seu partido e do movimento sindical. Quem assistiu às aparatosas manifestações “populares” nos tempos em que abundantes recursos públicos abasteciam os cofres sindicais é capaz de entender por que o populista Lula não hesitou ao abandonar o que era certo para o Brasil e escolher o que era conveniente para seu projeto político. Engavetou a ampliação da reforma da Previdência e a História acabou impondo-lhe uma lição exemplar.

Hoje, lutando desesperadamente não mais para colocar o Brasil a seus pés, mas para sobreviver politicamente, de preferência fora da cadeia, Lula faz contra o País exatamente o mesmo que o fogo amigo de seus correligionários e aderentes tentou fazer contra ele próprio, 14 anos atrás. Qualquer pessoa movida pelo bom senso entende a necessidade urgente da reforma da Previdência, ameaçada de, num futuro próximo, depois de ter esgotado os recursos do Tesouro, entrar em colapso e deixar aposentados e pensionistas à míngua.

Ao contrário do que Lula e a companheirada insistem em alardear irresponsavelmente, a reforma da Previdência não “priva de direitos” os trabalhadores. Já a teimosia cega e oportunista contra ela priva o País de um futuro.

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