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Lewandowski prepara saída do STF com poder de opinar sobre sucessor

Em quase dezessete anos no STF, o ministro Ricardo Lewandowski enfrentou episódios constrangedores em momentos-chave de sua atuação na Corte, como quando foi xingado ao votar em 2012, no auge do julgamento do mensalão, e ofendido por um passageiro em um voo de São Paulo a Brasília em 2018, em meio a reveses que o STF começava a impor à Operação Lava-­Jato. Expoente do chamado garantismo jurídico, que prega a proteção dos direitos fundamentais em face dos possíveis excessos de um Estado punitivista, Lewandowski teve sua militância muitas vezes confundida com uma postura contrária à agenda anticorrupção, o que causou a ira dos populares.

Hoje, entretanto, o cenário é outro. A pouco mais de dois meses de deixar o cargo, o magistrado tem sido aplaudido entre seus pares, juristas e políticos. Suas posições garantistas prevaleceram no colegiado e, mesmo entre os críticos, Lewandowski é visto como um dos ministros mais leais aos princípios que nortearam sua atuação desde a chegada ao tribunal. Nos próximos dias, deve comunicar oficialmente à presidência do Supremo sua aposentadoria compulsória em razão da idade — ele completa 75 anos em 11 de maio. O ritual burocrático inaugura a fase de limpar as gavetas no STF. A formalidade é necessária para que seu gabinete deixe de receber novos processos nos sessenta dias que antecedem a saída.

O prestígio em alta, especialmente junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o indicou para a Corte em 2006, faz com que sua palavra tenha peso na escolha de seu sucessor — Lewandowski, claro, já vem fazendo uso dessa prerrogativa. Em conversas com interlocutores do governo sobre sua sucessão, Lewandowski tem preferido defender um certo perfil para a vaga, dotado de características semelhantes às suas — lealdade, garantismo e coragem para enfrentar pressões. Mas é certo também que faz discreta campanha pelo seu nome favorito, o do jurista baiano Manoel Carlos de Almeida Neto, de 43 anos. Trata-se de um ex-assessor que trabalhou em seu gabinete no Supremo e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por quase uma década, a quem são atribuídas qualidades como lealdade e garantismo. De imediato, o nome tem potencial para agradar o PT por dois motivos: é de um jovem para os padrões do STF, que terá pela frente mais de trinta anos de judicatura, e representa uma continuação do trabalho de Lewandowski. Segundo interlocutores, o candidato costuma dizer que, para entender o que ele pensa sobre determinados temas, basta ver o que pensa o seu mentor.

 

Manoel Carlos conheceu Lewandowski há vinte anos, antes de ele se tornar ministro, em um evento acadêmico em Ilhéus, na Bahia. Aos 26 anos de idade, sob a orientação pessoal de Lewandowski, a quem só chama de professor, o recém-formado bacharel em direito passou em um concurso para dar aula de Teoria do Estado na Universidade Estadual de Santa Cruz, na cidade baiana. Desde então, os laços entre os dois foram se estreitando. Assim que assumiu como ministro, Lewandowski convidou Manoel Carlos para ser seu assessor. Depois, alçou-o ao alto escalão administrativo como secretário-geral do Supremo e do TSE (função que ocupou aos 29 anos de idade) e orientou suas teses de doutorado e pós-doutorado em direito constitucional pela USP. Em 2016, Manoel Carlos deixou o STF para ser diretor jurídico da Companhia Siderúrgica Nacional, onde está até hoje, e deu aulas na Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

Mas, mesmo para um ungido, a disputa por uma vaga na mais alta Corte do Judiciário brasileiro pode se transformar em um calvário. Pessoas ligadas a outros candidatos afirmam, de forma preconceituosa e errônea, que dificilmente um ex-assessor do tribunal, que nunca advogou em grandes bancas, será escolhido para o Supremo. Contra esse argumento, o entorno de Manoel Carlos já preparou uma defesa: dois ex-ministros do STF (Sepúlveda Pertence e Francisco Rezek) foram assessores antes de integrarem o tribunal — e essa prática é uma tradição adotada em nada menos do que na Suprema Corte americana.

Se essas alegações vão convencer Lula, só o tempo dirá. O que se sabe é que a escolha é considerada estratégica pelo PT, que quer repetir o êxito obtido com a indicação de Lewandowski e manter a atual correlação de forças no STF, que tem pendido para a ala garantista. Petistas graúdos avaliam que o partido errou em muitas indicações que fez no passado, com nomes que se alinharam até a última hora à Lava-Jato, como Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia. É nesse contexto que a corrente partidária de Lula no PT, a Construindo um Novo Brasil (CNB), divulgou na semana que passou um texto em que afirma ser preciso juntar forças “que se oponham ao Estado policial e ao complexo de poder que tenta criminalizar a política e destruir a democracia”. O texto trata da construção de alianças no Legislativo, mas reflete muito bem a preocupação do partido com a composição do Judiciário.

Ao lado de Manoel Carlos, outros nomes apresentados como garantistas também pleiteiam a vaga que será aberta em maio. Um dos mais bem cotados é o advogado Cristiano Zanin, que defendeu Lula na Lava-Jato e teve sucesso com as teses que sustentou na Justiça. Zanin, que é frequentemente elogiado em público pelo presidente, é apontado como uma possível escolha pessoal de Lula. Outro postulante com muitas chances é o atual presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, que tem o apoio do ministro Gilmar Mendes e representaria um agrado ao Parlamento. Muito habilidoso, Dantas transita magistralmente bem no mundo político, é próximo do senador Renan Calheiros (MDB-AL), um aliado importante do petista e, de quebra, deixaria vaga uma cadeira no TCU cuja indicação cabe ao Senado — comandado por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), outro apoiador do governo.

Entre os concorrentes à vaga de Lewandowski também estão advogados famosos ligados ao Prerrogativas, um grupo que teve lideranças engajadas na campanha eleitoral do presidente, como o seu coordenador Marco Aurélio de Carvalho. Desse grupo são citados Pedro Serrano, Lenio Streck e o criminalista Pierpaolo Bottini, defensor de réus da Lava-Jato. Aparecem ainda em algumas bolsas de apostas ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como Luis Felipe Salomão, próximo de Alexandre de Moraes, Benedito Gonçalves, cujo nome já foi aventado no passado e é relator de ações no TSE que podem deixar o ex-­presidente Jair Bolsonaro inelegível, e até a presidente do tribunal, Maria Thereza de Assis Moura, que marcou presença em uma série de eventos do novo governo no início do ano.

É certo que Lula fará duas indicações para o Supremo em seu mandato atual. Depois de Lewandowski, a presidente da Corte, ministra Rosa Weber, deve se aposentar no fim de setembro — ela completa 75 anos em 2 de outubro. Há consenso de que Lula deverá indicar uma mulher para sucedê-la, a fim de manter a representatividade feminina no tribunal. Além dessas duas vagas, têm crescido nos bastidores as especulações de que uma terceira poderá ser aberta ainda durante o governo Lula, com a eventual antecipação da aposentadoria de Barroso ao término de seu período como presidente do Supremo (ele substituirá Weber em setembro próximo e ficará na presidência até setembro de 2025).

Enquanto a disputa pela cadeira de Lewandowski se acirra, o ministro prepara sua saída da Corte em grande estilo, impulsionado pela própria eleição de Lula, que só se tornou possível com a anulação, pela maioria do plenário, das condenações impostas pela Lava-­Jato, cujos excessos eram criticados pelo magistrado havia muito tempo. O gabinete de Lewandowski tem trabalhado para reduzir o acervo de processos até maio. Ele tem dito a pessoas próximas que quer aproveitar a aposentadoria para dedicar mais tempo aos netos. A exemplo de outros colegas aposentados, ele também pretende advogar, elaborando pareceres jurídicos para grandes causas.

Na semana passada, fez algo que lhe deu grande satisfação pessoal: palestrou em uma escola do MST, em São Paulo — o que lhe rendeu algumas críticas. Sua passagem pelo STF e as discussões em torno de sua sucessão jogam luz sobre um dos aspectos menos compreendidos das Supremas Cortes nas democracias modernas: seus membros, escolhidos por políticos eleitos pelo povo, também têm o papel de representar, no Judiciário, os ideais do espectro político que os indicou — ainda que a Constituição, sabiamente, assegure a eles a autonomia e a independência.

Fonte: Veja Brasil