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Guinada à direita das classes populares pode ter sido impulsionado pela própria esquerda 

 

Uma das críticas da esquerda sobre a direita é que ela seria um movimento das elites, mas os números mostram uma tendência diferente: levantamentos mostram que as classes mais baixas tendem a serem mais conservadoras e votar na direita. E essa proporção se mostra presente nos resultados de eleições recentes. As informações são da Gazeta do Povo.

Na Áustria, o peso do voto das classes mais pobres teve influência decisiva em uma das disputas mais acirradas da Europa: embora o presidente Alexander Van der Bellen, do partido Verde, de centro-esquerda, tenha sido eleito com 50,2% dos votos, do outro lado da disputa, o candidato de direita, Norbert Hofer, do Partido da Liberdade, teve 49,8% dos votos. O Partido da Liberdade recebeu 86% dos votos da classe operária. No primeiro turno das eleições, a centro-esquerda obteve apenas 10% desse grupo demográfico, em comparação com 72% da direita.

O mesmo cenário acontece, desde a década de 1990, em países como Suíça, França, Bélgica e Noruega. Um estudo publicado pela revista International Political Science Review indica que esses países passam por processo de fortalecimento da direita com apoio popular, principalmente de classes mais baixas, que estão insatisfeitas com os rumos da democracia e se identificam com ideais de proteção da identidade nacional.

No Brasil, a eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL), após quatro mandatos do Partido dos Trabalhadores (PT), é um reflexo da guinada à direita das classes populares: Bolsonaro teve 57,7 milhões de votos (55,1% dos votos válidos) e conseguiu captar um sentimento popular de rejeição ao “progressismo” da esquerda – associado a pautas como a defesa do direito ao aborto e a defesa da teoria de que os gêneros masculino e feminino são construções sociais e não imposições da natureza (a chamada ideologia de gênero).

Necessidades atendidas
Para a esquerda, as classes sociais mais baixas que escolhem a direita estariam votando contra os próprios interesses — segundo eles, interesses que seriam, claro, defendidos pela esquerda.

“Uma das maiores descobertas da psicologia social é que as pessoas encontram maneiras de acreditar naquilo em que querem acreditar. E a esquerda realmente quer acreditar nesta hipótese equivocada. Ela os absolve da culpa e os protege da necessidade de olhar no espelho ou descobrir o que eles representam no século XXI”, diz Jonathan Haidt, professor de psicologia na Stern School of Business da Universidade de Nova York e o autor de The Righteous Mind: Why Good People are Divided by Politics and Religion (“A mente justa: por que boas pessoas são divididas por política e religião”, em tradução livre).

Haidt afirma ainda que a psicologia moral enxerga a política em nível nacional como algo que a unifica por meio de valores morais. “É mais sobre uma visão moral que unifica uma nação em prol do crescimento do que para o interesse próprio ou políticas específicas”, afirma.

A perspectiva de Haidt é confirmada por um estudo recente publicado pela revista acadêmica Global Dialogue. O levantamento mostra que o crescimento de partidos de direita está ligado não apenas a políticas econômicas para os pobres, mas principalmente porque suas ações respondem a várias necessidades e valores das classes sociais, como dignidade e reconhecimento da classe trabalhadora, criticando o consumo ilimitado das antigas “elites” às custas do governo.

“Na maioria dos países, a direita tende a ver isso com mais clareza do que a esquerda. Nos Estados Unidos, os republicanos fizeram o árduo trabalho de elaborar sua visão moral na década de 1970, e Ronald Reagan foi seu eloquente porta-voz. Patriotismo, ordem social, fortalecimento da família, responsabilidade pessoal e livre iniciativa. Esses são valores, não programas governamentais”, afirma Haidt.

Tendência global
Já uma pesquisa desenvolvida na Universidade de Zurique afirma que a presença das classes trabalhadora é predominante na direita. A explicação é que essas camadas sociais sofreram um declínio relativo nas últimas décadas, tornando-as receptivas a propostas de direita. [7]

O estudo é baseado em dados levantados em treze países da Europa Ocidental, seis dos quais apresentam partidos de direita relevantes. O crescimento desses partidos entre as classes populares, de acordo com a pesquisa, deve-se tanto a queixas econômicas quanto visões culturais do mundo. “Ambos estão relacionados aos processos de modernização e globalização, que têm um componente cultural e também econômico”, explica Simon Bornschier, autor do estudo e diretor de pesquisa no Instituto de Ciência Política na Universidade de Zurique.

“Em particular, a dupla transformação do espaço político resultou em uma nova divisão cultural que desempenha um papel fundamental na explicação do apelo da extrema direita populista à classe trabalhadora. As preferências ao longo dessa divisão são estruturadas pela educação e pelas experiências dos indivíduos”, acrescenta.

Da mesma forma, um estudo da Universidade Harvard analisou os discursos políticos do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante a campanha eleitoral de 2016 e constatou que foi fortemente sustentado por apelos aos desejos das classes populares. O levantamento, que analisou 73 discursos formais feitos por Trump durante a campanha eleitoral, aponta que sua retórica política abordou a preocupação das classes trabalhadoras com sua posição declinante no mercado de trabalho e mostrou preocupação em elevar o status moral desse grupo.

“Trump conseguiu apelar para a busca dos americanos brancos da classe trabalhadora por reconhecimento”, diz Michèle Lamont, professora de Sociologia na Universidade Harvard e autora do estudo.

Segundo ela, Trump conquistou as classes populares com uma linguagem “autêntica” e contra o politicamente correto e dessa forma agiu como um agente influente que soube explorar as fronteiras que já existiam entre os americanos da classe trabalhadora.

Por outro lado, a aproximação das classes populares para a direita também pode ser impulsionada pela própria esquerda: o discurso acadêmico de luta de classes não dialoga com o trabalhador, que enxerga nele ideias que fazem mais sentido para a sua realidade: o voto, para qualquer um dos lados, se resume a liberdade de pensamento.

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