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Governo de contradições

Governo de contradições

Editorial, Gazeta do Povo

Em matéria de declarações públicas, o governo apresenta mais barulho do que afinação. E isso não é bom

Na condição de presidente, Dilma Rousseff tem o direito de defender e implantar as políticas que julgar mais conveniente para o país, cabendo-lhe arcar com as consequências em termos de apoio ou rejeição popular. O poder do presidente da República no regime presidencialista é imenso, moderado em parte pelo Poder Legislativo, ao qual deve submeter seus projetos que, legalmente, dependam de aprovação parlamentar.

Assim, o pensamento, o comportamento e os atos de um presidente têm forte influência no planejamento e nas decisões do setor privado.Como o chefe da nação é auxiliado por ministros, as declarações e decisões ministeriais têm alta relevância na formulação de cenários sob os quais os empresários tomam suas decisões de produção, investimento e financiamento. Quando os ministros dizem uma coisa e a presidente diz outra, uma enorme confusão se estabelece, com efeitos negativos sobre as decisões empresariais. As recentes declarações do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que o governo estaria estudando aumentos de impostos a fim de alcançar as metas de superávit primário, incluem-se no vasto rol de contradições criadas pelo governo.

Logo após as afirmações do ministro, o mercado passou a planejar os negócios considerando a hipótese de elevação tributária se não agora pelo menos para 2015. Mal acabavam de traçar as primeiras linhas de seus planejamentos estratégicos, a presidente Dilma, em jantar com jornalistas mulheres no Palácio Alvorada, declara textualmente que “ele (o ministro Mantega) falou em tese, não tem nada disso em perspectiva, não sei em que condições ele falou, a gente escorrega em casca de banana bem bonita…”.

Além dos efeitos negativos específicos, a contradição entre o comportamento da presidente e o de seu ministro produz efeitos colaterais e se expande para outras áreas da vida nacional. Mais um exemplo é a declaração de outro ministro afirmando que não haverá racionamento de energia. Sua palavra tem credibilidade parcial, pois os agentes econômicos ficam se perguntando se, diante da escassez de chuvas, a presidente pensa a mesma coisa.

Em mais uma declaração confusa, ela se referiu à defasagem dos preços da energia, dos combustíveis e das tarifas de transporte desautorizando qualquer previsão ou declaração de que poderão vir reajustes mais altos em 2015. “Não tenho que dar tarifaço, por que dar?”, foram as palavras de Dilma.

Ocorre que o mercado inteiro sabe que a presidente da Petrobras, Graça Foster, vem pressionando Dilma para ser mais flexível em relação ao reajuste dos derivados do petróleo. Graça Foster tem dois trunfos para fazer valer sua posição: o baixo lucro da companhia neste início de ano e a impressão geral de que a maior empresa do país está dilapidada nas duas frentes, a econômica e a ética. Eventual desempenho expressivo (leia-se: elevados lucros) da Petrobras no segundo semestre de 2014 e nos meses iniciais de 2015, além de fortalecer a saúde financeira da empresa, seria uma espécie de arma contra os críticos e a corrosão da imagem da empresa.

Outra contradição no interior do governo diz respeito à inflação. A presidente vem insistindo que a elevação de preços está sob controle e desfilou uma série de números para dizer que, entre os três últimos governos, o seu é o mais eficiente no controle da inflação. Ela disse também que não há o menor risco de a inflação sair do domínio das autoridades econômicas em 2015. Porém, os últimos aumentos da taxa de juros, a Selic, e as atas do Conselho de Política Monetária (Copom) indicam que o BC não está na mesma linha otimista de Dilma.

Ao afirmar que a inflação não é uma ameaça, Dilma transmite a impressão de que o governo não está disposto a adotar medidas preventivas austeras e que somente o faria quando e se os preços saírem do controle. Entre os clientes dos supermercados, há os que colocam em dúvida a inflação anunciada pelo governo, pois os preços no varejo, especialmente os alimentos, têm subido bem mais que o IPCA.

Para as famílias, a elevação dos preços dos alimentos tem efeito bastante sensível sobre a percepção em relação à inflação. Nesse ponto, o BC tem sido mais cauteloso e vem transmitindo sinais de que a elevação dos preços dos alimentos constituem um problema sério sim e podem pôr fogo na inflação. O discurso da presidente vai numa direção e os sinais do BC vão em outra, isto é, o BC demonstra, em relação à inflação, ter mais medo que Dilma.

Essas contradições mostram que, em matéria de declarações públicas, o governo apresenta mais barulho do que afinação. E isso não é bom.