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Golpe de Mestra – por Fábio Campana

Fábio Campana
Revista Ideias

Gleisi Hoffmann, chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, é a grande vitoriosa da eleição deste ano no Paraná. É de sua autoria o plano que fez de um tucano hostil ao PT, Gustavo Fruet, o instrumento eficaz do PT nativo para rachar a principal base do tucano Beto Richa, seu adversário na disputa do governo em 2014.

Com a ajuda de seu marido, o ministro Paulo Bernardo, da Comunicação, que entra nessa história como eficiente operador, Gleisi impôs uma fórmula que deu certo e que a consolida como candidata a governadora em 2014. Pela primeira vez o PT nativo está unido em torno de um nome.

O poder da ministra se amplia. Logo que a vitória de Fruet foi confirmada, a ministra Gleisi Hoffmann ligou para a presidente Dilma Rousseff com a boa nova para o PT. E colocou seu pupilo, Gustavo Fruet, na linha. Fruet agradeceu o apoio e prometeu ser o primeiro eleito a visitar Dilma no Planalto.

A cotação de Gleisi Hoffmann subiu bastante depois dessa vitória pessoal em Curitiba através de um plano que afrontou o ex-presidente Lula, os setores mais radicais do partido e principalmente os humilhados e ofendidos por Fruet na CPI do Mensalão.

Resumo da opereta: com engenho e arte, mais uma boa pitada de sorte realçada pela incompetência dos adversários, e a Prefeitura de Curitiba, maior colégio eleitoral do Paraná, está agora sob a égide de Gleisi Hoffmann.

Golpe de mestra. Gleisi provou que atua friamente na política sem se deixar levar por questões menores. A maior liderança do PT no Paraná é guiada por objetivos bem nítidos. Nunca pelas emoções baratas que movem os torcedores e os epígonos que cercam as lideranças, inclusive no seu caso.

Gustavo Fruet se mostrou escolha perfeita para o plano do PT. Político que saiu do PMDB em guerra com os irmãos Requião e cresceu sob a proteção de Beto Richa na última eleição majoritária. De deputado federal passou a candidato ao Senado e ganhou força com o apoio do PSDB e de sua campanha vitoriosa ao governo.

Não se elegeu por pouco, mas fez expressiva votação ao penetrar na base principal de Beto Richa, que o apadrinhou com sinceras esperanças de derrotar Requião.

A experiência deste ano deve ser pedagógica para Richa, governador que pretende a reeleição em 2014. A primeira lição a extrair da derrota é a de que deve pensar duas vezes antes de alçar um político de sua base à condição de competidor majoritário. Sempre há a possibilidade de que ele se volte contra o criador. A história política de todas as civilizações prova que a deslealdade e a traição são comuns entre os homens que se dedicam a fazer carreira e a escalar o pico do poder. E Fruet já demonstrara que lealdade não é o traço mais forte de seu caráter.

A segunda lição é não subestimar o inimigo. Sua adversária direta em 2014 será Gleisi Hoffmann, política obstinada que tem como principal qualidade a capacidade de focar um objetivo e tratar de conquistá-lo com todas as armas e todas as alianças. Sem pejo e sem limites. Foi ela quem visualizou a oportunidade de fisgar um Fruet eivado de ressentimentos e disposto a vendetas para torná-lo ferramenta útil ao objetivo de atingir o adversário em seu território principal.

Para emplacar o seu projeto de 2014, Gleisi Hoffmann tratou de realizar, por novos meios, antigo sonho petista, o de conquistar a Prefeitura de Curitiba para calçar o plano maior, o da conquista do Governo do Paraná. As tentativas nas últimas duas décadas foram frustradas. Seja com candidatura própria, seja em aliança com o PMDB. Desde 1985, quando Roberto Requião venceu a eleição, ninguém mais chegou lá.

Os vitoriosos sempre foram da banda antipetista. Jaime Lerner, Rafael Greca, Cássio Taniguchi e Beto Richa venceram Jorge Samek, Ângelo Vanhoni, os irmãos Requião e a própria Gleisi Hoffmann. Duas décadas de insucessos levaram Gleisi, recém-eleita senadora com votação estrondosa, a pensar na nova estratégia. E ela começou pela manobra mais antiga da política. Dividir para vencer.

Seu primeiro desafio foi convencer o seu grupo dentro do PT. Até os mais próximos torceram o nariz. Afinal, Gustavo Fruet fizera fama como algoz do lulalato ao participar do coro de denúncias que apontou petistas de alto coturno envolvidos até o pescoço no desvio de dinheiro público para sustentar um sistema de corrupção de congressistas em troca de apoio ao governo Lula.

Esse escândalo desaguou no julgamento do Mensalão. Por isso mesmo, justificou Gleisi Hoffmann, ao mostrar que o melhor Cavalo de Troia seria alguém bastante dissimulado no papel de bom moço e de crítico das mazelas do próprio PT. O importante, dizia, é que vença e esteja suficientemente amarrado para cumprir os compromissos de 2014. Ou seja, que confirme o apoio à sua candidatura ao governo.

A fome e a vontade de comer

Pois, pois, aqui se aplica a segunda mais antiga regra do jogo político. O fim justifica os meios. Gustavo Fruet, sem vez no ninho tucano, aceitou gostosamente o novo papel. Ele também decidiu não ter pejo ao jogar para o alto a ideia de coerência e abraçou imediatamente a nova oportunidade de chegar a uma instância de poder, ambição antiga da família Fruet, que nunca antes venceu uma eleição majoritária. Seu pai, Maurício Fruet, foi prefeito, mas não foi eleito. Chegou lá nomeado pelas regras do regime militar, nos tempos em que não havia eleição para prefeito da capital. Mais tarde tentou a eleição, mas foi derrotado em 12 dias por Jaime Lerner.

Gleisi Hoffmann percebeu Fruet com a alma aberta a novas propostas. Passou a assediá-lo. Não precisou de grande esforço para convencê-lo a aceitar o papel de Cavalo de Troia. Aqui se aplicou a terceira mais antiga regra do jogo político. As alianças dão certo quando se juntam a fome com a vontade de comer.

O plano incluiu a transferência de Gustavo Fruet para o PDT, partido sempre à disposição para manobras do tipo. No passado, o partido fundado por Leonel Brizola recebeu Jaime Lerner e toda a sua trupe que procurava fugir do estigma da Arena e do PDS para enfrentar o PMDB que tinha como candidato o pai de Gustavo, Maurício. Depois recebeu Osmar Dias, para lançá-lo contra Beto Richa, que na disputa anterior o patrocinara.

Por que não receberia Fruet? No PDT há sempre a esperança de albergar um político que seja capaz de levar a sua pequena tropa no Paraná ao conforto que o poder oferece em prebendas, benesses e sinecuras. A ideia foi imediatamente aceita, até porque o PDT é um partido de linha auxiliar do PT na República e na província.

Vencidos os trâmites burocráticos partidários, Fruet passou a enfrentar um problema maior. Externo. Mudança tão brusca de ideias e de companheiros não foi bem aceita pelas camadas médias da sociedade curitibana, que é conservadora, moralista, avessa às ideias de esquerda, sempre cheia de ressentimentos e muito desconfiada com o PT .

O grande esforço de Gustavo Fruet durante todo o primeiro turno foi o de tentar provar que não era instrumento do PT. Ou seja, o esforço para aplicar a quarta regra mais antiga da política e extraída do receituário de Gleisi Hoffmann, a de que com algum teatro e maquiagem as aparências enganam.

Não foi fácil. Basta ver a sequência de pesquisas e o resultado das urnas no primeiro turno para perceber que Fruet não chegou a conquistar 1/3 dos eleitores. Esteve sempre atrás de Ratinho Jr e de Luciano Ducci, do PSB, prefeito que assumira o cargo e aliado de Beto Richa. Foi a opção de Richa por Ducci que fez de Fruet um ex-tucano a serviço do PT.

Fruet passou para o segundo turno por margem mínima. Era um candidato sem esperanças. A maior parte de sua campanha já fora desativada e só restara um esforço final mantido por um prócer do PDT, Wilson Picler, que resistiu à ideia de jogar a toalha.

Também ficaram firmes os coordenadores mais próximos de Fruet. Gerson Guelmann, Caíque Ferrante, Claudia Wasilewski e a tropa do PDT organizada por Picler. A maioria do PT que apoiara Fruet já estava em plena migração para a campanha de Ratinho Jr, candidato do PSC e sempre aliado do PT. Tanto que esperava ser ungido candidato do grupo para exercer o papel que Gleisi Hoffmann preferiu entregar a Fruet. Ratinho era, sem dúvida, o preferido de Lula, o pai eterno do PT, que nunca demonstrou simpatia pelo seu algoz Gustavo Fruet.

Poucos, mas bons

Gustavo Fruet não dispunha de um staff suficiente e capaz de organizar a sua campanha. Os irmãos Claudio Fruet, advogado de terceira instância em Brasília, Eleonora Fruet, a irmã que sempre representou a força da família na ocupação de cargos nos entendimentos com aliados. E Ricardo Mac Donald, que herdou da equipe de seu pai e que faz o papel de conselheiro pessoal e negociador de confiança. E um companheiro leal, o vereador Caíque Ferrante, que desistiu da reeleição para acompanhá-lo desde o início.

Mais não tinha. O novo partido, PDT, teve de providenciar as condições mínimas para iniciar a campanha. É quando entra em cena o empresário Wilson Picler, que bancou todo o primeiro turno. Do barracão transformado em centro de operações, passando pelas contratações e por toda a produção de material de propaganda. Ou seja, o investimento mais pesado ficou por sua conta.

Nesse momento, Gustavo Fruet contratou dois profissionais que teriam papel fundamental na campanha. O coordenador Gerson Guelmann, condottiere das campanhas vitoriosas do período áureo de Jaime Lerner. Foi ele quem conseguiu dar estrutura e organicidade à campanha que sofria com as carências materiais e com o excesso de amadores que batiam cabeça e geravam dificuldades internas.

O outro profissional contratado foi o advogado Luiz Fernando Pereira, o mais competente em direito eleitoral e que provou sua capacidade ao vencer a absoluta maioria das ações e pendengas geradas pelo conflito natural na disputa. Pereira é advogado do casal Gleisi Hoffmann—Paulo Bernardo. Saiu de cena o advogado tradicional das campanhas do PT, Guilherme Gonçalves, que passou a trabalhar para o candidato Ratinho Jr.

Os dois, Guelmann e Pereira, foram contratados com o aval de Gleisi Hoffmann, que aqui impôs mais uma regra antiga da política. Poucos, mas bons. E ao procurar os bons, o critério não foi ideológico, partidário ou de caráter político. Neste caso, a escolha foi fundamentalmente pela competência profissional dos dois.

O PT entrou de cara com recursos e com a produtora de rádio e TV. O marqueteiro de Gleisi Hoffmann, Oliveiros Marques, entrou em cena e passou a definir a linha da campanha. Oliveiros é sobrinho de Paulo Bernardo e absolutamente sob o comando do casal ministerial. Portanto, ninguém deveria esperar qualquer mudança de discurso sem que passasse pelo crivo de Gleisi.

Agora, a partilha

Como será a equipe de Gustavo Fruet? Ninguém duvida da presença das seguintes pessoas no núcleo mais próximo do prefeito. A irmã Eleonora Fruet, cotada para a Secretaria da Fazenda ou da Educação; Ricardo Mac Donald para a chefia de Gabinete; Caíque Ferrante para a Comunicação Social.

Gerson Guelmann é cotado para a Secretaria de Governo e o procurador-geral da Prefeitura será um indicado de Luiz Fernando Pereira. Esta é a turma de casa, dos mais próximos e da confiança pessoal do futuro prefeito Gustavo Fruet. Com uma vantagem, estão todos em perfeita sintonia política com o principal aliado que é o PT e especialmente com Gleisi Hoffmann.

A seguir, a partilha segundo os partidos. O PDT de Wilson Picler reclama participação na administração. Tudo bem, como costumam repetir as almas parvas. Afinal, o PDT e especialmente Picler foram fundamentais nessa campanha. Não só por ceder a sigla, mas por bancar toda a campanha de primeiro turno e nos momentos mais difíceis.

O PT quer a sua cota. Além da retribuição em apoio à candidatura de Gleisi Hoffmann, exige indicar quadros para secretarias importantes, especialmente as da área social. Roseli Izidoro, que se elegeu vereadora depois de ter sido preterida na vice em favor de Miriam Gonçalves, é cotada para uma dessas secretarias. O certo é que o PT ficará feliz se puder se acomodar em áreas como Saúde, Educação, Cultura e Abastecimento.

O PV quer, óbvio, a Secretaria do Meio Ambiente, mas esta é uma secretaria que mexe com interesses grandiosos e certamente serão desalojados interessados de hoje para que os novos grupos entrem no negócio.

O PPS, que aderiu no segundo turno, depois de indicar o vice de Ducci no primeiro turno, com certeza vai querer continuar com as posições que tem hoje. Destaque para a poderosa URBS, que cuida do transporte coletivo e tem como operador principal Marcos Isfer, o primeiro a levantar a bandeira de Fruet dentro do PPS no final do primeiro turno.

Guerra antecipada

O resultado da eleição em Curitiba fortaleceu o PT e sua candidata natural ao governo, Gleisi Hoffmann. Por mais que ela insista em negar que é candidata para postergar o enfrentamento, nem o mais tolo dos tucanos acredita na balela.

O certo é que a guerra de 2014 foi antecipada. A comemoração da vitória de Fruet foi também a deflagração da campanha de Gleisi, que agora conta com o apoio substancial da presidente Dilma Rousseff para equilibrar os maus bofes, que logo estarão superados, de Lula, que começa a compreender que Gustavo Fruet não foi um candidato apoiado pelo PT, foi, sim, um instrumento muito conveniente para o seu partido.

Ou seja, Fruet está em condições de devolver em dobro o que recebeu e de dar mais um pouco por conta dos malefícios que causou quando dizia que Lula ou era cúmplice ou conivente com o esquema do Mensalão. Ofensa que Lula não consegue engolir, segundo os seus assessores mais próximos.

Pode-se dizer que já estamos imersos na campanha eleitoral de 2014. Só algumas figuras palacianas insistem em fazer de conta que não houve derrota e que nada acontece. Típica atitude tucana que, se perdurar, poderá ampliar o desastre deste ano para outra tragédia eleitoral dentro de dois anos.

Requião ajudou a eleger Fruet

Assim caminha a humanidade. O PMDB não quis apoiar Luciano Ducci, do PSB. Pura birra do senador Roberto Requião e grande insistência de Rafael Greca de Macedo. De nada adiantou a argumentação de Luiz Cláudio Romanelli e de 80% do PMDB do Paraná.

Lançado candidato, Rafael Greca concentrou seus ataques ao prefeito Luciano Ducci, o que em muito ajudou a tarefa de Fruet de desconstrução da imagem do prefeito. E olhem que Ducci foi aliado importante de Requião no passado e Fruet inimigo declarado.

A lógica de Requião era a de que o desgaste de Ducci afetaria seu patrono, Beto Richa, a quem dedica parte de seus ressentimentos e mágoas que brotaram do resultado da última eleição para o Senado, quando por pouco não fica de fora.

Greca fez 101.866, 10,45% dos votos, em sua maioria arrebanhados no eleitorado natural de Ducci. Pouco para quem tinha a pretensão de passar para segundo turno e vencer a eleição. Muito, para quem entrou nesse processo apenas para criar problemas na disputa principal.

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