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Gestão e marketing

(foto: Estadão)
(foto: Estadão)

Cida Damasco

Pelo que se viu na estreia dos prefeitos que tomaram posse neste 1.º de janeiro, fica claro que as equipes de marketing trabalharam pesado nos últimos dias. Tudo em nome de impressionar a população e mostrar que o enredo do novo filme será diferente do anterior – e bem melhor. Prefeitos mais próximos da população, zelando pela cidade e atacando suas prioridades, como saúde e educação. Exageros à parte, como a fantasia de gari do novo prefeito de São Paulo, João Doria, e de uma ala de assessores, o fato é que essas cenas de marketing são corriqueiras nas trocas de governo. Nem deveriam causar tanto alarde.

A questão é quando e como deixar o marketing de lado e partir para o trabalho de fato. E, como se pode ver, trabalho não falta. Talvez as carências das prefeituras formem a face mais visível da crise fiscal do País. Muito além das estatísticas oficiais, a falta de médicos e remédios nos postos de saúde, o lixo acumulado nas ruas, as crateras abertas no asfalto e os atrasos de salários dos servidores dão a dimensão do esfacelamento do setor público no Brasil – e da urgência da sua reconstrução. Menos mal que este ano os gestos de marketing venham acompanhados pelo mantra do corte de gastos e da reestruturação das máquinas públicas.

Os discursos de posse da maioria dos novos prefeitos mal tocaram nas costumeiras promessas de campanha de obras mirabolantes e serviços de primeiro mundo para a população. Cautela inteiramente justificada, quando se põe os olhos sobre os principais indicadores financeiros das prefeituras brasileiras: 1) segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios, quase a metade dos prefeitos deixou de herança para seus sucessores os chamados “restos a pagar” ou, em bom português, contas penduradas. 2) a receita obtida com impostos, taxas e transferências dos 4.376 municípios em 2016 voltou ao nível de cinco anos atrás; 3) nos 12 meses encerrados em outubro, os municípios acumularam um déficit de R$ 1,7 bilhão, ampliando o monumental rombo do setor público; 4) a partilha dos R$ 4,5 bilhões em multas recolhidas na repatriação de dinheiro do exterior alivia, mas nem de longe resolve os problemas de caixa das prefeituras.

É verdade que, se for para valer e não apenas um gesto de marketing reverso — austeridade, em vez do festival de promessas de outros tempos –, o engajamento de novos prefeitos na cruzada de contenção de gastos alimenta a expectativa de que, dessa vez, poderá não se repetir aquela velha história de uma parte do setor público remando para um lado e outra remando na direção oposta. O que, na melhor das hipóteses, simplesmente impede que o barco saia do lugar. Em contrapartida, fica cada vez mais frágil a esperança de que os municípios iniciem uma temporada de investimentos – por mais modestos que sejam, colaborando assim para abreviar a recessão. Mais um sinal de que, em termos de andamento da economia, 2017 está mais para um “remake” de 2016 do que para um “ano novo” de verdade.

Assim como a União, Estados e municípios têm de rever estruturas de secretarias, assessorias e outros penduricalhos, recalcular quadros de pessoal, revisar contratos com fornecedores e redefinir obras de primeira necessidade, sempre que possível em parceria com o setor privado – esta, é claro, cuidadosamente controlada desde a etapa da formatação até o funcionamento. Objetivo central: fazer o gasto caber dentro do orçamento.

Responsabilidade fiscal, no entanto, não quer dizer paralisia. Significa também escolhas. Tanto as grandes escolhas, que traçam o esboço da nova administração, pelo menos no começo do mandato, como as pequenas, do dia a dia, que transformam ou não esse esboço no desenho definitivo do governo. Será que vai emplacar a parceria com empresas privadas, como bancos, anunciada por Doria, para usar espaços ociosos na criação de 66 mil vagas em creches municipais, metade do déficit existente hoje? Será que deslocar funcionários que trabalham em outros bairros de São Paulo para as tarefas de “embelezamento” da região central é um sinal de predomínio do marketing sobre a gestão? Bons tempos aqueles em que a maior preocupação com a qualidade dos gastos nas prefeituras das pequenas cidades era a construção de fontes luminosas.