Arquivos

Categorias

Filme conta história de ‘Schindler sueco’ da ditadura chilena

Filme conta história de ‘Schindler sueco’ da ditadura chilena

Claudia Varejão Wallin
de Estocolmo

Um filme recém-lançado na Europa reconstitui o drama enfrentado por milhares de pessoas – entre elas dezenas de exilados políticos brasileiros – que viveram um dos capítulos mais violentos da história recente da América Latina e conta a história de um herói pouco conhecido desse episódio.

The Black Pimpernel (O Cavaleiro Negro), do diretor sueco Ulf Hultberg, retrata a história de Harald Edelstam, o embaixador sueco que, segundo estimativas baseadas em relatos de testemunhas, teria salvo mais de 1,3 mil pessoas da prisão ou da morte, incluindo brasileiros, nos meses que se seguiram ao golpe militar de 11 de setembro de 1973 no Chile.

Previsto para chegar às telas brasileiras no ano que vem, o filme, rodado em 36 locações no Chile, mostra cenários reais do golpe, como o Estádio Nacional – principal centro de tortura do regime, onde 12 mil pessoas foram encarceradas após o golpe. Com 1,7 mil figurantes, o filme inclui ainda seqüências no Palácio de La Moneda, a sede do governo bombardeada durante o golpe.

Um dos trechos do filme fala da tentativa frustrada do embaixador de salvar sete brasileiros da execução no Estádio Nacional. Segundo Carlos Claret, da equipe de produção do filme, as informações são de que Harald Edelstam ajudou a salvar cerca de 20 brasileiros.

Para o diretor Ulf Hultberg, o filme constitui um resgate importante da memória da época – tanto para o Chile como para o Brasil: "Para se criar uma sociedade verdadeiramente democrática, é preciso desenterrar o passado”, destacou o diretor em entrevista a BBC Brasil. "Aqueles que cometeram crimes durante a ditadura precisam pedir perdão, a fim de serem perdoados."

‘Limusine prateada’

O título do filme é uma alusão ao herói fictício do livro O Pimpinela Escarlate, da Baronesa Orczy, que salvou centenas de pessoas da guilhotina durante a Revolução Francesa. Nascido em 1913, Harald Edelstam ficou conhecido como "Black Pimpernel" durante os anos da Segunda Guerra Mundial, quando, a exemplo do empresário alemão Oskar Schindler, cuja história inspirou o famoso filme A Lista de Schindler, de Steven Sielberg, ajudou centenas de judeus e militantes da resistência a escapar da perseguição nazista na Noruega.

No Chile, são vários os relatos relatos da atuação decisiva do embaixador para salvar vidas nos três meses seguintes à tomada de poder pelo regime militar liderado pelo general Augusto Pinochet. O Cavaleiro Negro se baseia em depoimentos de testemunhas e artigos de época colhidos durante cinco anos de pesquisas.

Desde os primeiros momentos do golpe no Chile, segundo esses relatos, o embaixador Edelstam escondeu refugiados na Embaixada sueca e, dirigindo o próprio carro, saiu em expedições noturnas em busca de outros que necessitavam de abrigo. Ele ia com freqüência ao centro de detenção montado no Estádio Nacional e salvava prisioneiros da execução.

Há testemunhos de que Edelstam emitia salvo-condutos, ajudou a criar documentos falsos para perseguidos do regime, entrou em contato com outras embaixadas para abrigar refugiados, coordenou ações com organizações internacionais para a fuga dos ameaçados.

No livro Casa dos Espíritos, de Isabel Allende, a sobrinha do presidente deposto teria se inspirado em Edelstam ao falar da "limusine prateada de um embaixador nórdico", que conduziria pessoalmente o personagem Pedro Tercero ao espaço seguro da Embaixada do Vaticano em Santiago do Chile, escondido no porta-malas do carro sob uma pilha de folhas de alface e tomates.

Armas e protocolo

Segundo Carlos Claret, da equipe de produção do filme, há testemunhos de que Harald Edelstam teria inclusive transportado armas em seu carro. "Ele quebrou os protocolos diplomáticos. Declarava vários locais como território sueco, e dizia que se fossem atacados seria uma declaração de guerra à Suécia, como no episódio do cerco à Embaixada de Cuba", conta ele.

Em O Cavaleiro Negro, o embaixador é interpretado pelo ator sueco Michael Nyqvist, que nos trabalhos preparativos para o papel se reuniu na Suécia com vários exilados chilenos salvos por Edelstam.

A atriz mexicana Lumi Cavazos (de Como Água para Chocolate) é Miria Contreras, a assistente pessoal do presidente Salvador Allende, que se suicidou durante o bombardeio ao Palácio de La Moneda.

Com orçamento de US$ 3 milhões, o filme foi parcialmente financiado pela seção dinamarquesa da Anistia Internacional.

Santo

Principalmente entre os milhares de chilenos forçados ao exílio pela ditadura militar, Harald Edelstam é venerado quase como um santo. Segundo a Embaixada do Chile na capital sueca, a Suécia tem hoje uma população de 45 mil chilenos.

Mas na Suécia, Harald Edelstam, falecido em 1989, é um nome quase esquecido. Expulso do Chile pelas autoridades militares do país em dezembro de 1973 – três meses após o golpe – Edelstam foi mantido fora de atividades durante um período, até ser enviado à Argélia como embaixador. "O Embaixador tinha uma relação estreita com o primeiro-ministro sueco da época (Olof Palme), e só fez o que fez porque sabia que contava com este apoio", contou o diretor do filme na entrevista a BBC. "Mas na volta a Estocolmo, ele foi isolado pelos colegas no Ministério das Relações Exteriores."

"No fim, ofereceram a ele a embaixada na Argélia – um posto que ninguém queria. Harald Edelstam atuou segundo seu coração, e não segundo as regras diplomáticas. E isto não foi tolerado."