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Eu Sou Charlie

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Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

Extremistas odeiam a liberdade de expressão. Odeiam jornalistas e é por isso que tantos foram assassinados recentemente. Odeiam pessoas que fazem perguntas, desafiam a autoridade e usam o humor em vez de metralhadoras e facas. (Joan Smith, The Guardian, 7/1/2015)

Charlie Hebdo, o semanário que tinha em sua equipe alguns dos maiores cartunistas do mundo, não foi o veículo que inaugurou a ironia e a sátira para transmitir seu pensamento.

Jornalistas de coragem que se utilizavam do humor para manter o povo bem informado existem há muitos séculos. O riso é uma arma muito poderosa, quanto mais nas mãos de jornalistas inteligentes.

As Sátiras de Juvenal, poemas que satirizavam a moral de Roma do final do século I ao início do século II; Os Caprichos de Goya, obra-prima das gravuras onde ele descrevia a sociedade espanhola dos últimos anos do século VIII; Krokodil, a revista semanal satírica, que ria e fazia rir da corrupção, da preguiça, da indisciplina, da burocracia e do comportamento social na URSS, criado em 1922; na França, Le Canard Enchainé; na Inglaterra, o Private Eye; aqui A Careta; o Pasquim e grandes cartunistas que não pararam de fazer rir e pensar, sobretudo durante os anos de chumbo.

Há uma charge do Ziraldo da qual nunca esqueci. O DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) era mui justamente temido. Pois o Ziraldo fez um desenho sensacional que dizia isso tudo e mais alguma coisa: o desenho mostrava um moleque franzino, vendedor de balas na porta do cinema, sendo erguido pela goela por um PM enorme, com a legenda singela: OLHA O DROPS! Não era necessário mais nada para explicar o que era o DOPS… e em que mundo vivíamos naqueles anos 70.

O ataque ao jornal francês foi um ataque ao jornalismo independente, à liberdade de informar e comentar – o desafio agora é defender o direito de continuar a criticar e provocar, com a mesma coragem do Charlie Hebdo, o riso que faz pensar.

A resposta ao horror em Paris só pode ser uma: cada vez mais textos e mais risos que levem o leitor a pensar sobre seu tempo e sua vida. Por mais que no momento ninguém esteja com o coração à larga para isso.

É nesses momentos abomináveis que o mundo deve se unir para não deixar que a estupidez, a violência e o fanatismo vençam. Que na França, assim como em qualquer outro lugar do mundo, vençam a cordialidade e a liberdade de pensamento, sempre.

Jornalistas foram mortos mas o jornalismo continua vivo e nós honraremos melhor sua memória continuando a fazer nosso trabalho. Até ontem eu sempre dizia que não era jornalista, posto que não sou. Mas de agora em diante me incluo entre os jornalistas: quero ter a honra de ser chamada de jornalista.

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa é professora e tradutora