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Eu nunca gostei da ditadura, diz Oviedo

Eu nunca gostei da ditadura, diz Oviedo

FÁBIO VICTOR
Enviado especial da Folha S. Paulo ao Paraguai

Não eram nem 6h de ontem quando a caravana de Lino Oviedo chegou acordando a cidadezinha de San Pedro, capital do departamento paraguaio homônimo, a 350 km de Assunção. No último volume, a música da campanha é rápida e agitada como o candidato, o general reformado que passou cinco anos preso –após voltar de exílio no Brasil, para onde fugiu em 1999–, sob acusação de tramar um golpe de Estado em 1996.

Pouco tempo depois do abre-alas, Oviedo, 64, parou num hotel para se preparar para visitas aos rincões de San Pedro, o maior e um dos mais pobres departamentos (equivalentes à Estados) do país. Na rua, falou em guarani com eleitores ("Diz a ele em castelhano em quem você vai votar") e distribuiu brindes.

No saguão do pequeno hotel, Oviedo disse à Folha que pretende tornar o Estado paraguaio mais ágil e menos corrupto, caso vença a eleição de domingo. Ele aparece em segundo ou em terceiro na disputa, dependendo das pesquisas, encabeçadas pelo ex-bispo católico Fernando Lugo. A governista Blanca Ovelar é a terceira com chances.

O general deu sua versão sobre sua prisão e o assassinato do então vice-presidente Luis María Argaña, em 1999, pelo qual também foi acusado. Falou também da polêmica de Itaipu e, assumido como "candidato verde-amarelo", de suas amizades no país: "Você precisaria de um livro para escrever todos os meus amigos brasileiros".

FOLHA – Por que o sr. é o candidato que mais enfatiza as ligações e as boas relações com o Brasil?

LINO OVIEDO – Muito simples. O Supremo Tribunal Federal do Brasil reivindicou meus direitos jurídicos, o pleno do Supremo, por 11 a 0, decidiu que Lino Oviedo não tinha que ser imputado por nenhum delito, que tudo apresentado pela Justiça do Paraguai representava uma perseguição política, e rechaçou a extradição. Tudo foi feito para afastar-me de minha candidatura a presidente.

Segundo, quando fiquei lá [no Brasil] quase quatro anos, as pessoas me tratavam como se estivesse na minha própria pátria, com muito respeito. Jamais ninguém me ofendeu, ao contrário, me trataram muito bem. E nessa oportunidade conhecei o potencial do Brasil, especialmente os Estados vizinhos, que pra nós são muito importantes, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo. E também Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás. Conheço todos os governadores, [André] Puccinelli [de MS], o rei da soja, Blairo Maggi [de MT], [Roberto] Requião [do PR]…

FOLHA – Como o sr. interpreta o apoio do Requião ao Lugo, já que ele sempre foi seu amigo?

OVIEDO – Continua meu amigo, ligo para ele a qualquer hora. É a mesma coisa de você ter um time de futebol e eu ter outro. O que ele quer é o que querem Hugo Chávez e Evo Morales. Eu não gosto do socialismo estatista monopolista, e ele gosta. Eu sou um democrata, não quero que o Estado assuma atividades da sociedade civil. No Paraguai, a produção de cimento é 100% do Estado, o abastecimento de água é 100% estatal, comunicações, produção de álcool… E tudo isso é corrupto.

FOLHA – De fato há muitas denúncias de corrupção. Mas o sr. por muitos anos participou, como chefe das forças armadas ou como homem forte do governo, desse sistema político, e mais tarde virou um dissidente do Partido Colorado [no poder há 61 anos]. O que mudou para o sr. reivindicar um discurso transformador?

OVIEDO – Muito simples. Se você trabalha numa mídia, e é um pintinho da mídia, você não tem força de mudar a linha política da mídia. Se você está na Folha de S. Paulo, eu sou teu diretor, o chefe de Redação tem uma linha política, você não tem nada o que fazer. Ou vai embora ou espera escalar posições para tomar as decisões. Eu nunca gostei da ditadura. Estudei na escola de democracia de Konrad Adenauer [líder da reconstrução alemã no pós-guerra], vi a barbaridade que fez a ditadura, quando fui instrutor de cadetes, de agulhas negras. Fui criando consciência de que a ditadura não podia ter um único comandante. Fui, como coronel, um dos principais atores da queda da ditadura [do general Alfredo Stroessner, em 1989]. Aí virei general de brigada, não tinha força política de maneira alguma. Fizemos um slogan para fazer democracia e a dignificação do povo e das forças armadas que eram politizadas. Aí a corrupção voltou com [Juan Carlos] Wasmosy [presidente de 1993 a 1998]. Entrei na política legalmente, ganhei a eleição [primária] com o partido se chamava União Nacional dos Colorados Éticos [facção interna do Colorado], contra a corrupção e a bandidagem que havia. Fui afastado da política, perseguido dez anos, segui minha luta…

FOLHA – Mas o sr. teve muito poder, no governo de Cubas Grau (1998-1999).

OVIEDO – Cubas Grau esteve [no poder] só sete meses, assumiu totalmente, eu não me imiscuí.

FOLHA – O que passou à história é que o sr. era o presidente de fato.

OVIEDO – Não, eu não nomeei nenhum ministro, ele nomeou seu irmão, seu amigo próximo, que injustamente participaram do complô da oposição contra ele, porque nós queríamos mudar a política. Pergunte ao povo sobre os sete meses de Cubas, se havia corrupção, perseguição. Queríamos limpar, mas os colorados corruptos não gostaram e fizeram uma conspiração. Cubas foi derrubado por conspiração. Argaña conspirou para ser vice-presidente de Cubas, legalmente ele não podia.

FOLHA – O sr. se diz inocente no assassinato de Argaña, mas à época pessoas assumiram que haviam agido a mando do sr. e de Cubas Grau.

OVIEDO – É mentira. Pergunte aqui no Paraguai. Se chove muito aqui, se está muito quente, eu sou culpado, porque não compactuo com gente corrupta e mafiosa, como a que conduz o Paraguai. Esses estão contra mim. Gente boa, que quer trabalhar, que tem fome, todos estão com Lino Oviedo. Mas gente que tem poder e dinheiro, vínculos com narcotráfico e contrabando, esses não. Por que o Paraguai figura como um país pirata, o segundo mais corrupto da América Latina? Eu estou há 12 anos fora da política, e nesse tempo o país está pior que nunca. Eu nunca fui presidente, fui comandante do Exército e aí fiquei mal com Wasmosy, justamente denunciando sua corrupção.

FOLHA – Na avaliação do sr., quem mandou assassinar Argaña?

OVIEDO – Pergunte a quem investigou, porque eles não investigam. O FBI disse que o calibre das balas encontradas não corresponde ao da escopeta, que foi um testemunho falso. Está no relatório dos EUA, e dois dias depois de eles assumirem o poder mandaram de volta a Scotland Yard, a quem Cubas pedira a investigação. E eu fiquei cinco anos e meio na cadeia.

FOLHA – Quem o sr. acha que mandou matar Argaña?

OVIEDO – Muito simples. Os que se beneficiaram com o poder. E pagaram pela montagem de um falso testemunho.

FOLHA – O sr. na verdade não foi preso pelo assassinato de Argaña, mas pela tentativa de golpe de Estado em 1996. Agora se diz que sua libertação às portas da eleição foi uma tática do presidente Nicanor Duarte para dividir a oposição e permitir a vitória da candidata governista, o que ele próprio insinuou.

OVIEDO – Isso é o que diz a mídia. Eu consegui a gravação [do que disse Nicanor]. Um partidário dele disse "como vai libertar Oviedo, o cara é querido, sempre nos venceu", ele ele disse, "o que eu vou fazer, se a lei o libera por cumprimento da pena?". Eu teria que ter saído quatro meses e oito dias antes. Fiquei preso cinco anos, quatro meses e oito dias.

FOLHA – Mas a pena era de dez anos…

OVIEDO – A lei militar diz que quando alguém cumpre a metade da pena por boa conduta tem que ser liberado. Quem tem que dar o veredicto é o sistema jurídico. Isso do caso Argaña e da praça, fui liberado da praça [também foi acusado de responsabilidade pela morte de sete jovens em protestos que se seguiram à morte de Argaña]. E a acusação do Argaña venceu, tudo tem prazo legal. Estou liberado, vou ser presidente do Paraguai.

FOLHA – Dos tantos amigos brasileiros que o sr. tem, Valter Sâmara, Álvaro Dias, a família Rego de Almeida…

OVIEDO – Você precisaria de um livro para escrever todos os meus amigos brasileiros. De 190 milhões de habitantes, acho que 20 milhões são…

FOLHA – Destes amigos, ha alguma colaboração financeira à sua campanha? Ou a promessa de que empresários brasileiros terão o Paraguai mais aberto caso o sr. vença?

OVIEDO – Ajuda econômica, ninguém. Mas desejo [de que eu vença], com certeza que sim. Os 500 mil brasiguaios são meus amigos. E também na Argentina, minha esposa é argentina, ontem estive lá. A Argentina tem 2,5 milhões de paraguaios, lá eu me movo como peixe na água. A Argentina está dando documento de residência a 400 mil paraguaios. Eu sou liberal, aberto, democrata. Posso falar com Morales, com Chávez. Ideologia é uma coisa, relação econômica é outra coisa. Respeito ideologia, o sistema de governo, a nação. Posso fazer negociação com China, com Taiwan, com Alca. Veja como o Chile está melhorando muito, porque faz negociação com todos, desde que sua soberania não seja ultrapassada, isso é democracia. Os Estados Unidos estão tendo relações com a China. Na democracia se respeita o pensamento, a liberdade de expressão. Eu foi formado na Otan, nos EUA, Coréia do Sul, Taiwan, Japão, Israel, Brasil, Argentina, Chile…

FOLHA – Das questões crucias desta campanha em relação ao Brasil, a mais sensível é a revisão do Tratado de Itaipu. Qual a posição do sr.?

OVIEDO – Muito simples. Os candidatos utilizam Itaipu eleitoralmente. O povo paraguaio é fervoroso muito facilmente, e utilizam isso para politicagem, eu sou da alta política. Por que eu ia mexer com o país vizinho mais importante da América Latina. Eu tenho que ter uma boa relação, utilizar a democracia, o diálogo, a diplomacia, e não costumo comprar briga quando a briga não vai trazer nada. Tenho que usar os canais institucionais, não fofoca. Quem não tem programa de governo e credibilidade usa isso dessa maneira. O que eu vou fazer, se [o chanceler Celso] Amorim, se [o diretor de Itaipu, Jorge] Samek, se o diretor jurídico já responderam que o Tratado de Itaipu não se fala até 2023, ponto. É a mesma coisa que um cachorrinho querer comer a lua, e fica latindo para ela. É uma bobagem. O que vou fazer neste tema é trabalhar para usar minha energia [excedente, que é vendida ao Brasil], [vou dizer] "eu preciso de minha energia, presidente". Vou fazer o que o Brasil fez: usou a energia elétrica mais barata do mundo para gerar fonte de trabalho, agroindústria, indústria intensiva…

FOLHA – O tom da reta final da campanha está muito tenso. O sr. crê que o resultado será respeitado?

OVIEDO – Se no país existe Estado democrático de Direito, sim. Deve ser respeitada a institucionalidade da República. Se isso não existe, o Paraguai não existe. Se não existem a garantia jurídica e o respeito à ordem pública, o país acabou.

FOLHA – Qual será o resultado no domingo?

OVIEDO – Vou ser o presidente do Paraguai. Você estará me procurando no domingo às 20h. Estás falando com o presidente do Paraguai, o candidato verde-amarelo. Ok, agradeço. [irônico] Agora vou procurar que Estado vou fazer no Paraguai. Lugo falou que, se eu for eleito, o Paraguai vai ser o décimo Estado do Brasil. Nem sabe quantos Estados tem o Brasil, não sabe quais os Estados limítrofes com o Paraguai, como o cara vai fazer? Ele tem que repartir hóstia e fazer missa, foi feito para orar.

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