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Entrevista: “Vai ser uma festa”, diz Delcídio sobre caixa dois eleitoral

delcidio-amaralAndré Guilherme Vieira e César Felício, Valor Econômico

As eleições municipais deste ano deverão ser marcadas por práticas de caixa dois e os candidatos ao Executivo que buscam a reeleição serão beneficiados pelo uso da máquina administrativa em suas campanhas. Com a proibição de doações de pessoa jurídicas a candidatos, estar no governo será fundamental para adaptar a agenda administrativa ao ritmo eleitoral e fechar acordos partidários que garantam tempo de televisão e um exército de pretendentes a cargos proporcionais que sirvam de cabos eleitorais para os postulantes a cargos majoritários.

A previsão é do ex­-senador Delcídio do Amaral, cassado por quebra de decoro pelo Senado, depois de ter sido preso por obstrução à Operação Lava­-Jato e se tornado delator. Até o ano passado, era o líder do governo Dilma no Senado e filiado ao PT. Depois de colaborar com a Justiça, acusou colegas no Senado e foi cassado por unanimidade um dia antes do Senado votar a admissibilidade do impeachment. Para Delcídio, o setor privado de saúde é o mais exposto a uma interface política depois do cerco às empreiteiras estabelecido pelas investigações, que em sua opinião estão longe de terminar, mesmo depois da queda do governo petista. Aos 61 anos e sem direitos políticos até 2027, Delcidio não descarta retornar à política.

O ex-­senador comenta as suspeitas de corrupção em Furnas Centrais Elétricas. Ele sustenta que tomou conhecimento da existência de irregularidades na estatal, mas evita relacioná-­las com o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), Delcidio afirma que o diretor de engenharia de Furnas, Dimas Toledo, tinha amplo apoio partidário e era conhecido por todos os presidentes com quem trabalhou, tanto Fernando Henrique Cardoso, quanto Luiz Inacio Lula da Silva. A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva concedida ao Valor, na casa de um familiar de Delcídio, em São Paulo:

Valor: Com a proibição de pessoas jurídicas doarem à campanhas eleitorais, como ficará o jogo de forças entre os candidatos à prefeitura de São Paulo?
Delcídio do Amaral: Agora só leva vantagem quem está no poder. Nas prefeituras, por exemplo. Ou quem detém os governos nos estados. Porque são os únicos que podem eventualmente bancar campanha. E mais: é a institucionalização do caixa dois. Porque como você tem muitas restrições de doação, o caixa dois nesta eleição vai ser uma festa. Quem detiver as máquinas administrativas vai ter estrutura para fazer política. O candidato de oposição não vai. A não ser que seja um candidato muito forte e que esteja muito consolidado. No caso de um candidato novo, ele não tem chance. Ele vai brigar contra uma máquina que trabalha dia e noite. Então vai ser ou a reeleição do prefeito, ou a eleição do candidato do prefeito.

Valor: Como será esse uso da máquina pública?
Delcídio: Vai se montar uma chapa de vereadores para trabalhar como cabos eleitorais. Tem as secretarias, que vão fazer a política dos candidatos. Porque você pode fazer política prestigiando determinados convidados, usando as secretarias, com divulgação. Hoje, em uma secretaria de Educação, por exemplo, você tem uma ascendência forte sobre os diretores de escolas. Tem uma ascendência forte no dia a dia dos bairros, das cidades. Com a secretaria de Saúde é a mesma coisa. É o atendimento, é aquela velha política, a ‘bica d’água’. É uma coisa absolutamente anos 80.

Valor: Isso torna o prefeito de São Paulo Fernando Haddad mais forte como candidato, apesar do abalo estrutural sofrido pelo PT?
Delcídio: O Haddad é uma liderança importante. Isso pode ser um trunfo para ele. Mesmo com todo o desgaste que o PT sofreu, especialmente em São Paulo. Talvez até uma situação bem diferenciada em relação ao restante do Brasil.

Valor: Há três máquinas na disputa municipal em São Paulo: a do Haddad, a federal, com a Marta Suplicy (PMDB) e a estadual do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que busca eleger o tucano João Dória Júnior. Qual delas vai fazer a diferença em São Paulo?
Delcídio: É difícil dizer. Mas dentro deste cenário que está se avizinhando, a Marta cria uma musculatura. A Marta volta a ser muito competitiva, com essa mudança, com o Michel Temer. Sem dúvida alguma.

Valor: Que outro setor pode suprir o papel antes desempenhado pelas empreiteiras, como doadoras de campanha?
Delcídio: O que eu sinto hoje é um interesse muito grande em empresa ligadas à Saúde. Hoje a gente vê o interesse que a Anvisa passou a despertar. Antes a disputa era pela Agência Nacional do Petróleo, Agência Nacional de Energia Elétrica, Agência Nacional de Telecomunicações. Agora é ANS, é Anvisa, esse é o foco maior.

Valor: Elas são as novas joias da coroa?
Delcídio: Eu creio que sim. E você veja o crescimento dessas empresas que controlam planos de saúde, que em poucos anos se tornaram verdadeiras potências. Parece que há uma migração. Porque eu não vejo mais ninguém brigar forte por Aneel, ANP, por nada disso.

Valor: E quem está ganhando essa nova briga?
Delcídio: Está em aberto, vamos ver como as coisas ficam. Tem uma outra composição [política] agora. Alguns [diretores] ainda têm mandatos, porque as agências têm mandatos que são coincidentes com os mandatos majoritários.

Valor: Então a agência reguladora é o aspecto mais importante dessa mudança?
Delcídio: Vou te dar um exemplo que conheço bem que é o do Raul Cutait, meu médico. Um dos melhores quadros que a saúde brasileira tem, reconhecido mundialmente. Aí os caras queriam indicar políticos. Ele, como é muito inteligente, não ia jogar fora a história dele e resolveu não aceitar [a indicação para o cargo de ministro da Saúde. O nome de Cutait foi vetado pelo presidente nacional do PP, Ciro Nogueira (PI), que exigiu que a equipe técnica da pasta fosse indicada pelo partido]. E por que? Porque a Saúde é uma máquina. Porque a Saúde tem um orçamento que é compulsório, tem uma série de amarras que outros ministérios não têm. Então você vai contingenciar, a Saúde você tem lá um orçamento com um teto mínimo estabelecido por lei. Não pode escapar. Tem de cumprir, é compulsório. Então é uma área em que você tem segurança dos recursos que você vai ter à sua disposição.

Valor: Significa que o ministro da Saúde Ricardo Barros (PP­-PR) e o partido passam a ter grande poder no governo?
Delcídio: Sim, é uma posição muito boa, porque é um ministério vital. Foram feitas indicações políticas, é um ministério político. Mas acho que tem algumas áreas que são sensíveis e por isso, na minha leitura, deveriam ser ocupadas por pessoas que conhecessem bem esses segmentos. Mas, infelizmente, o desenho que está aí não é esse.

Valor: Recentemente o senhor fez declarações que indicam uma mudança no seu convencimento sobre o que seria um esquema de corrupção em Furnas. O senhor voltou atrás sobre o suposto envolvimento do senador Aécio Neves (PSDB­MG)?
Delcídio: Não, não é isso. Porque eu conheço bem esse assunto. Essa questão de Furnas era o compartilhamento de três partidos: O PP, o PSDB e o PT. E assim foi. Existe uma farta documentação que vai levar a uma investigação detalhada sobre tudo isso.

Valor: E que farta documentação é essa?
Delcídio: Que tramitou, inclusive, durante a CPI dos Correios. Documentos que vieram à tona posteriormente. E acho que temas correlatos têm sido até motivo de investigação pelas autoridades, pelo Ministério Público. E há colaborações que fazem citações expressas à questão de Furnas. É uma coisa absolutamente capilarizada. Isso vem lá de trás e continua.

Valor: Não ficou claro se o senhor apresentou alguma prova sobre o suposto envolvimento do Aécio.
Delcídio: Eu não falei especificamente do Aécio. Eu contei um pouco essa questão de Furnas, até porque me foi perguntado sobre isso. Mas o tempo vai dizer. Isso é tranquilo. Porque esse assunto é recorrente. E está vindo à tona novamente. Eu conheço o Dimas Toledo, [ex­diretor de engenharia de Furnas], ele é um diretor experiente e muito técnico na área de energia. De carreira no setor. O Dimas é uma figura que, talvez, tenha sido um dos melhores engenheiros nessa área. Tanto é que ele tinha tamanho protagonismo. Ele era do governo Fernando Henrique e continuou no cargo no governo Lula. É uma força que vem do PP, do PSDB e depois do PT.

Valor: O senhor diria que a Operação Lava­-Jato deixou de avançar ou ainda não avançou tudo o que poderia sobre o PSDB? O doleiro Alberto Youssef e o ex­diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa disseram que o ex­presidente nacional do PSDB Sérgio Guerra (morto em 2014) recebeu R$ 10 milhões para esvaziar a CPI da Petrobras de 2009.
Delcídio: Eu não conheço de perto essa linha de investigação. Mas esse tipo de operação nas CPIs da Petrobras foi muito mais ampla. Você pode ver a questão dos requerimentos. Você convocar e depois desconvocar. Chamar a pessoa para conversar. E isso está aparecendo agora [o ex-­senador Gim Argello (PTB­-DF) foi preso pela Lava­Jato por suspeita de extorquir empreiteiros em troca da dispensa de convocação às CPIs da Petrobras instaladas no Congresso em 2014). Isso ainda vai ter desdobramentos.

Valor: O senhor prestará novos depoimentos em sua delação à Procuradoria-­Geral da República.
Delcídio: Sim, até porque isso é normal na colaboração. Faz um complemento, um esclarecimento. Você pode ser chamado a esclarecer algum ponto.

Foto: Valor