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Em favor da vacina

Cilene Pereira, IstoÉ

Até quarta-feira 18, o Brasil registrou 677 casos de sarampo. A doença costuma ser encarada como algo leve, típica da infância, sem maiores consequências e, desta forma, aceitável. Está errado pensar assim. A volta dos casos ao País representa uma derrota no âmbito da saúde pública. A enfermidade estava erradicada aqui desde 2016, graças a uma política de vacinação bem-sucedida que até então havia garantido a proteção de crianças e adultos contra o vírus responsável pela doença. Somada à informação de que 312 cidades brasileiras — 44 em São Paulo, o estado mais rico da nação — encontram-se sob risco para o aparecimento de casos de poliomielite, a situação traça um panorama preocupante. A polio está erradicada no Brasil desde 1990 e, assim como o sarampo, é prevenível por vacina. Ambos os imunizantes estão disponíveis gratuitamente na rede pública de saúde e apresentam riscos baixíssimos de causarem efeitos colaterais mais sérios. Não é admissível, portanto, que o Brasil depare-se agora com a ameaça de ver a volta de doenças contra as quais a medicina obteve uma de suas principais vitórias. Foi em 1796 que o médico inglês Edward Jenner descobriu que inocular pessoas com o conteúdo tirado de pústulas de varíola assegurava imunização contra o vírus causador da enfermidade que, àquela altura, matava milhares de pessoas. Desde então, as vacinas servem para impedir que males assim dizimem populações.

No entanto, desde 2011 observa-se no Brasil a queda na cobertura vacinal relativa a várias enfermidades. Naquele ano, o índice de crianças vacinadas com a tríplice viral, que imuniza contra o sarampo, a caxumba e a rubéola, alcançou 100%. Em 2017, parou nos 83%. Neste ano, há um esforço de vacinação em Roraima, numa tentativa de evitar a disseminação do vírus trazido com a chegada maciça de crianças venezuelanas infectadas. A cobertura relativa à polio também era total no início da década. No ano passado, ficou em 77%. Em 15% das cidades da Bahia, menos da metade das crianças foi vacinada. Ao todo, 800 mil crianças estão vulneráveis à infecção.

O País patina ainda na prevenção de doenças como a febre amarela e a gripe, as duas também evitadas por meio de vacinas. A forma urbana da febre amarela está erradicada desde 1942, mas os casos silvestres (em áreas de matas) avançaram nos últimos anos. Entre julho de 2017 e maio de 2018, foram 1.266 pessoas atingidas, com 415 óbitos. No início do ano, com a explosão do surto no Sudeste, o pânico tomou conta da população e postos de saúde foram invadidos por pessoas desesperadas pela vacina. Semanas depois, a notícia de mortes por causa de reações ao imunizante fez com que o medo se instalasse, desta vez ao contrário. Mesmo pessoas que precisariam ser imunizadas por viver em áreas de risco pararam de buscar a proteção. O resultado é que, hoje, a cobertura vacinal de febre amarela mal passa da metade, com índice de 52,45%.

Quanto à gripe, o Ministério da Saúde conseguiu atingir, na semana passada, cobertura para 90% do grupo prioritário, formado por pessoas a partir de 60 anos, crianças de seis meses a cinco anos, trabalhadores de saúde, professores das redes pública e privada, povos indígenas, gestantes, mães até 45 dias após o parto, detentos e funcionários do sistema prisional. Porém, entre as grávidas e os com menos de cinco anos, a cobertura foi de 77% e 76%, respectivamente. Os estados com menores taxas de vacinação foram Roraima (67%) e Rio de Janeiro (77%) . Enquanto isso, o total de óbitos subiu de 285, no ano passado, para 839 em 2018.

A falta de adesão da população em relação às vacinas no Brasil não pode ser explicada por um viés somente. Há a combinação de obstáculos que envolvem basicamente dificuldade de acesso, falta de senso de responsabilidade individual e muita desinformação. Em referência ao primeiro ponto, é fato que os imunizantes estão disponíveis nos postos de saúde, mas em grande parte das cidades eles funcionam em horário comercial, quando pais e responsáveis estão no trabalho e, as crianças, na escola. O ideal seria ter horários maleáveis.

Porém, é preciso que cada um dos adultos cumpra a sua parte como responsável pelo cuidado com as crianças e as levem para serem vacinadas, respeitando o calendário vacinal. Assim como o casal Vagner Rubini e Suhianh Kill, em São Paulo, com os filhos Lorena e Nicoli. “Cumprimos as datas”, dizem. E também os pais de Anne Carolinne, de sete meses. “Obedecemos as orientações do pediatra”, diz Sirlene Tamaki, ao lado do marido, Rodrigo.

Erro de avaliação

O combate à desinformação exige esforços extras. Há três grandes desafios neste sentido. É um paradoxo, mas o controle das doenças por meio das vacinas alcançado nas últimas décadas levou à sensação de que as enfermidades não representam mais ameaça. “O fato de as doenças terem desaparecido fez com que muita gente ache que a vacina é desnecessária”, afirma a epidemiologista Carla Domingues, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações. Pensar assim é um equívoco que pode fazer com que as enfermidades readquiram força de transmissão. A mesma percepção é observada entre profissionais de saúde. Muitos nunca viram vítimas de poliomielite ou com sarampo porque cresceram em tempos nos quais elas não ocorriam. Por isso, não estão alertas quanto à sua prevenção.

Também enfrenta-se a praga das notícias falsas. Elas se propagam pelas redes sociais e têm impacto impressionante em quem as lê. Durante o surto de febre amarela do início do ano os estragos foram estarrecedores, tanto para espalhar o pânico que levou à invasão de postos quanto para afastar a população das doses. Primeiro, correntes incitavam todos a exigir a vacina, quando se sabe que há casos nos quais ela é contraindicada (transplantados e pacientes em quimioterapia, por exemplo). Depois, com a profusão de informações infundadas de que o imunizante faz mais mal do que bem. Como toda medicação, as vacinas apresentam efeitos adversos, mas em sua maioria em escala muito menor do que o benefício que produzem (leia quadro)

Esses dois fatores funcionam como combustível para fortalecer o movimento antivacinação, formado por pessoas que se dedicam a transmitir dados falsos sobre os imunizantes — entre elas até profissionais de saúde que se recusam a aceitar a ciência de qualidade — e que se negam a levar os filhos a serem protegidos. É um fenômeno mundial e que está por trás, inclusive, do crescimento do número de casos de sarampo observado na Europa em 2017. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o total de infectados no continente cresceu 300%, atingindo mais de 21 mil pessoas, com 35 mortes. Em 2016, foram 5.273 casos.