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EFEITO ITAIPU

"Era muita gente. Era igual a um monte de formigas”, conta Mário Galdino Alves, mexendo os dedos em frente ao rosto, sem disfarçar o deslumbramento. A cena que ele descreve se repetiu diariamente ao longo de quatro anos, entre 1978 e 1982, época do pico da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Mecânico de montagem e manutenção de turbinas, Mário Galdino foi um dos 40 mil trabalhadores que, em meio a milhares de toneladas de terra, pedra e concreto, formaram um verdadeiro formigueiro humano no canteiro de obras da usina. – matéria de Fernando Jasper, deste domingo (5) na Gazeta do Povo. Leia sua íntegra em Reportagens.

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Efeito Itaipu

Efeito Itaipu

Itaipu provocou uma explosão demográfica em Foz, um êxodo de 40 mil agricultores às margens do reservatório e fez do estado o maior gerador de energia do país

Fernando Jasper/Gazeta do Povo

“Era muita gente. Era igual a um monte de formigas”, conta Mário Galdino Alves, mexendo os dedos em frente ao rosto, sem disfarçar o deslumbramento. A cena que ele descreve se repetiu diariamente ao longo de quatro anos, entre 1978 e 1982, época do pico da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Mecânico de montagem e manutenção de turbinas, Mário Galdino foi um dos 40 mil trabalhadores que, em meio a milhares de toneladas de terra, pedra e concreto, formaram um verdadeiro formigueiro humano no canteiro de obras da usina.

Com potência de 14 mil megawatts – 39 vezes a planejada para a usina de Mauá –, Itaipu gera 20% da energia elétrica consumida no Brasil e atende a 95% da demanda paraguaia. Impressiona pelo tamanho, pela potência e pelas modificações que causou na natureza de seu entorno. Mas a maior transformação provocada pela hidrelétrica ocorreu em Foz do Iguaçu. Poucas cidades sofreram impactos sociais e econômicos tão profundos, em tão curto espaço de tempo, em função de apenas um empreendimento.

Até 1975, Foz tinha 35 mil habitantes e era movida apenas pelo então tímido turismo nas Cataratas do Iguaçu e pelo incipiente comércio da vizinha Ciudad del Este, no Paraguai. Em menos de cinco anos, a cidade do extremo Oeste paranaense foi invadida por 100 mil pessoas, entre operários de todas as partes do país – como o paulista Mário Galdino –, suas famílias e mais uma multidão de novos moradores, que tentavam aproveitar a onda de desenvolvimento provocada pelo anúncio de que seria erguida, ali perto, a maior hidrelétrica do planeta.

“Não foi um crescimento, foi uma explosão demográfica”, diz o ex-prefeito e atual secretário do Planejamento, Wadis Benvenutti, que se mudou para Foz em 1974, um ano depois que os governos brasileiro e paraguaio assinaram o “Tratado de Itaipu”. Vindo de Curitiba, recém-formado em Direito e Administração, Benvenutti abriu uma loja de equipamentos de escritório que cresceu na esteira de Itaipu, vendendo de clipes a máquinas de escrever para a binacional e para as novas empresas que se instalavam na cidade. “Eu me deslumbrei com o que poderia acontecer e vim para cá.”

Boa parte da rede hoteleira de Foz se desenvolveu em função de Itaipu. Importantes avenidas, como a Paraná e a Juscelino Kubitschek, foram criadas com empréstimos do governo federal para facilitar o tráfego na até então pequena cidade. Muitas empresas iniciaram suas atividades naquela época, algumas colecionando recordes. A Paraguaçu Veículos, por exemplo, ostentou durante um bom tempo o título de maior revendedora de peças Volkswagen do país, graças à demanda da frota de Itaipu.

“Em Foz, faltava hospedagem, hospital, escola. Itaipu teve de construir ou trazer tudo isso”, lembra o sociólogo José Afonso de Oliveira, citando a criação das vilas de funcionários e do Hospital Costa Cavalcanti, que faziam parte do que se passou a conhecer como “República de Itaipu” – um lugar com normas próprias de funcionamento. “A usina tinha escola, transporte, refeitórios, corpo de bombeiros e até polícia própria. Era como se fosse um Vaticano dentro de Roma”, conta o carioca Sérgio Benevides, funcionário de Itaipu desde 1976.

Famosa pelas cataratas, Foz deve à instalação da hidrelétrica boa parte da infra-estrutura atual. Nenhuma outra cidade do estado que gera mais de um quinto da energia consumida no Brasil ganhou tanto com uma hidrelétrica. Os efeitos colaterais, no entanto, começaram a aparecer com mais força depois que a primeira turbina geradora começou a funcionar, em 1984. O lento processo de desmobilização da mão-de-obra, que coincidiu com a interrupção dos investimentos em hidrelétricas no país, deu origem aos “órfãos de Itaipu”: os barrageiros. Altamente qualificados para o serviço mas quase analfabetos em sua maioria, eles ficaram sem ter o que fazer. Muitos, sem ter para onde ir.

Depois de 82, órfãos aos milhares

Na manhã de 2 de março de 1994, o segurança Salatiel Lamarque já estava calçando as botas, rumo ao ponto de ônibus, quando sua esposa o encarou, espantada. “Para onde você vai, meu velho?” Foi somente ao dizer “vou trabalhar” que Salatiel se lembrou de que já não era mais funcionário da hidrelétrica de Itaipu. No fim da tarde anterior, havia chegado ao fim uma rotina pela qual foi apaixonado durante 15 anos, desde que foi admitido como motorista de cargas da usina.

“Muitos colegas que não tinham uma estrutura familiar viraram alcoólatras, alguns até mendigos”, conta Salatiel. Desde 1982, quando a barragem ficou pronta e teve início a chamada “desmobilização”, ele se acostumou a ver companheiros dispensados – foram quase 10 mil de uma só vez. “O problema é que, justamente quando Itaipu foi concluída, o país suspendeu os grandes projetos hidrelétricos”, conta o sociólogo José Afonso de Oliveira. “Funcionários de algumas empreiteiras foram para o Iraque, construir barragens e estradas. Mas a grande maioria não tinha onde trabalhar.”

A partir de 1984, conforme entravam em operação as 20 turbinas da hidrelétrica, a necessidade de mão-de-obra foi diminuindo. Hoje, apenas 1.942 paraguaios e 1.424 brasileiros trabalham na usina. Muitos operários voltaram para suas cidades de origem, enquanto alguns conseguiram trabalho em outras empreitadas: o mecânico de montagem Mário Galdino Alves trabalhou por um tempo na construção da usina Luiz Gonzaga, no Ceará. O eletricista João Pego foi para a hidrelétrica de Porto Primavera, em São Paulo. Outros tantos ficaram em Foz, e se arranjaram do jeito que deu – caso de Salatiel, que atravessou contrabando pela Ponte da Amizade até se aposentar.

Em 2005, quando Itaipu precisou de 750 funcionários para trabalhar nas duas últimas turbinas, não conseguiu encontrá-los entre os ex-operários que moravam em Foz – pouquíssimos tinham estudo suficiente para as novas exigências. Foi somente nos últimos anos que, para tentar compensar parte de seu impacto, a Itaipu passou a investir de modo mais intenso em ações de preservação ambiental e programas de responsabilidade social.

 

Gigantismo

A grandiosidade da usina de Itaipu – que, embora já não tenha a maior potência instalada, ainda é a maior geradora de energia do mundo – pode ser expressa por uma série de números e comparações.

Materiais

A quantidade de concreto usada na construção seria suficiente para erguer 210 estádios do tamanho do Maracanã. Com o ferro e o aço, seria possível construir 380 torres Eiffel.

Dimensões

Após escavações de terra e rocha equivalentes a 3,5 morros como o Pão-de-Açúcar, o leito do Rio Paraná, que no local da construção tinha cerca de 400 metros de largura e 100 metros de profundidade, deu lugar a uma barragem com 7,7 quilômetros de largura e até 196 metros de altura.

Dinamite

Para a explosão das barreiras de concreto, que abriu o canal de desvio do Rio Paraná, em 1978, foram necessárias 56 toneladas de dinamite. O estrondo, sentido a quilômetros de distância, provocou pânico entre agricultores do município.

Educação

O Colégio Anglo-Americano, construído para os filhos dos funcionários de Itaipu, chegou a ter 14,6 mil alunos no início da década de 80. Era o maior do Paraná, com quase uma centena de salas de aula lotadas nos três períodos.

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