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Cunha, o homem mais temido de Brasília

O detentor dos segredos do PMDB luta para salvar seu mandato. O desfecho desta batalha determinará o destino do governo Temer

Diego Escosteguy, Época

epoca-capa2Na manhã de quinta-feira, dia 8, Eduardo Cunha, o homem que derrubou Dilma Rousseff e encerrou os 13 anos do PT no Planalto, decolou do Rio de Janeiro rumo a Brasília com a missão política mais difícil de sua vida: evitar a própria queda. Chegou ao Santos Dumont pouco antes das 7 horas, acompanhado de um de seus advogados. “Doutor Eduardo, deixa que eu carrego a mala para o senhor!”, disse um funcionário do aeroporto, ainda na porta. Um homem se aproximou. “Estou com você!”, disse, sorrindo. Na fila para o raio X, um dos seguranças gritou: “Vem por aqui, deputado!”. Cunha não topou passar na frente dos demais. Na entrada do avião, num voo normalmente ocupado por executivos com negócios em Brasília, mais assédio. “Estou torcendo pelo senhor. Tenha fé”, disse um passageiro, estendendo-lhe a mão. No desembarque em Brasília, uma mulher e sua filhinha pediram um selfie com ele. “Você é meu malvado favorito”, disse um homem, antes que Cunha deixasse o aeroporto, sem receber vaias ou xingamentos. “Só você para ter coragem de tirar a Dilma.”

O malvado favorito jactou-se. “Virei celebridade”, disse ele depois, meio brincando, meio a sério. Um voo entre Rio e Brasília não fornece exatamente uma amostra estatística da aprovação de ninguém. As pesquisas nacionais, pelo contrário, indicam um alto índice de rejeição ao deputado afastado, em virtude das pesadas denúncias de corrupção que pesam contra ele. Para a esquerda, dentro e fora do Congresso, e setores da opinião pública, Cunha é um capiroto, o tinhoso em si: perverso, reacionário, chantagista, desalmado. Enfim, não é um político, nem sequer uma pessoa. É uma caricatura. (No outro extremo ideológico, a caricatura, o tinhoso, chama-se Lula.)

O episódio na quinta-feira não foi uma exceção. Nos últimos meses, Cunha recebeu constantes afagos da torcida anti-PT, em especial nos compromissos em São Paulo e em Brasília. Para essa turma, o apelido malvado favorito diz tudo: Cunha pode até ser corrupto, mas os livrou de Dilma – e esse ato político, se não o absolve, ao menos provoca gratidão neles. O mesmo sentimento apresenta-se, em outra medida, entre um número considerável, embora difícil de precisar, de deputados. Gratidão política, pois estavam cansados de um governo que não lhes dava espaço (cargos e emendas) como gostariam, ou acham que mereciam. E gratidão pessoal, pois Cunha acumulou poder distribuindo favores a muitos deles. Favores pequenos, como conseguir emprego para familiares. Favores grandes, como arrecadar dinheiro para campanhas.

Entre os políticos de Brasília, seja na Câmara, seja no Planalto, essa gratidão mistura-se ao medo de que as razões dela venham a público. Cunha detém os segredos de, ao menos, duas centenas de deputados – do PMDB, do PP, do PTB, do PR, do PSD e dos demais partidos que compõem o centrão. Detém, em especial, os segredos dos políticos do PMDB que ascenderam ao poder com a queda de Dilma. Hoje, graças em larga medida a Cunha, eles ocupam os melhores gabinetes da Esplanada. Cunha ocupa, provisoriamente, um apartamento funcional da Câmara, que precisou mandar reformar. Perdeu a ampla residência oficial da presidência da Câmara, símbolo do poder e domínio que exercia sobre seus pares. Todos eram obrigados a ir até ele, obedecendo à liturgia do poder: aquele que manda mais recebe aqueles que mandam menos. Agora, não pode nem mais receber. Precisa deslocar-se para reuniões políticas. O que será dos políticos que ascenderam com Cunha, caso ele perca até o apartamento funcional?

Foto: reprodução/capa/Época