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Dogmas e eleições, o cenário no Brasil

Nestas eleições, estamos assistindo o fim de amizades e até mesmo desentendimentos familiares. As pessoas defendem suas posições como se fossem verdades absolutas, verdadeiros dogmas.

O físico e matemático René Descartes acreditava que por meio do seu método cartesiano poderia chegar à verdade absoluta. Este é um exemplo de dogma na ciência, dogma baseado na razão.

Nas religiões o dogma se baseia em revelações divinas, na fé ou experiências subjetivas. Por exemplo, que Cristo ressuscitou é um dogma para o cristianismo e isso não pode ser discutido. O dogma é respeitado por todos que se convertem ao cristianismo.

Podemos aceitar alguns dogmas baseado na razão, que com a evolução da ciência são sempre superados, e também podemos aceitar os dogmas religiosos. Na política, o dogma é absolutamente perigoso, leva à radicalização, a ditaduras, ao fim da democracia, à perseguição daqueles que discordam do dogma oficial e até mesmo a mortes.

A história recente nos mostra tristes exemplos de ditaduras baseadas em dogmas. O dogma da raça pura levou ao nazismo. O dogma sobre algumas ideias de Karl Marx levou 1/3 do mundo a viver sobre o comunismo. Poderíamos citar centenas de outros exemplos.

A socióloga e professora da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo, Violeta Caldeira, destaca que “nestas eleições se discutem mais valores do que projetos de país”. Se ficarmos nessa dicotomia, entre o bem e o mal, entre o nós e eles, jamais construiremos uma nação democrática.

O senador e membro da Academia Paranaense de Letras, Oriovisto Guimarães, coloca que a dúvida é o combustível necessário para a evolução do ser humano. “O homem preso a uma verdade absoluta, que não questiona as suas próprias ideias, jamais atingirá um novo patamar de saber”, diz ele que ainda nos presenteou com duas citações de filósofos importantes. A primeira, de Goethe: “na verdade só sabemos quão pouco sabemos – com o saber cresce a dúvida”. A outra citação foi de David Hume (1755):“Todas as doutrinas que sejam favorecidas por nossas paixões devem ser objeto de suspeita”.

Na conversa com a socióloga Violeta Caldeira ficou claro que a base da democracia é o respeito à divergência de ideias. Vale lembrar a clássica definição: “Liberdade é sobretudo a liberdade de quem discorda de nós. Respeitar os que concordam conosco é cumplicidade e não respeito à liberdade”.

Não há racionalidade ou democracia que possa sobreviver à polarização do radicalismo. Tudo se transforma em dogma, em verdade absoluta, por aqueles que são cooptados como devotos febris, manipulados muitas vezes criminalmente.

Apesar de todos os defeitos, a democracia com seus valores, entre os quais destacamos a liberdade de pensamento, é o único caminho para o progresso e construção de uma sociedade mais justa. As eleições vão passar. Nossos familiares, nossos amigos, nosso país vão continuar. A história da sociedade humana é medida por séculos, enquanto a vida dos indivíduos é muito curta e é medida por anos. Não podemos permitir que as paixões políticas destruam a nossa felicidade individual, observa Guimarães.

“Muita gente está brigando de uma maneira muito mais violenta em razão de que nesta eleição se debate principalmente valores e não projetos de governo. Não se trata de uma eleição política comum, mas a defesa principalmente de valores, cujo resultado passa a ter um significado bem maior”, diz a socióloga.

Violeta Caldeira também pontua que algumas lideranças políticas estão deliberadamente fazendo discursos contraditórios para esvaziar a possibilidade de produção de verdade na vida democracia. “Isso contribui para que o debate entre pessoas na internet e na rua fique muito mais tenso”, opina.

“A democracia pode estar em risco quando as pessoas deixam de acreditar que ela é capaz de dar resposta para a vida social. Quando uma autoridade pública cada hora diz uma coisa cria-se um cenário propício para que as pessoas deixem de acreditar que a política pode dar soluções concretas e verdadeiras para a sociedade, causando medo, criando um cenário de instabilidade e tornando o debate mais acirrado – já que o eleitor comum tende a construir verdades apenas em função do que ele mesmo acredita”, diz Violeta.

A socióloga alerta para a tentativa de desconstruir as bases da democracia como ela foi apresentada na modernidade. Desconstrução da própria capacidade que a democracia tem de sustentar argumentos e de construir verdades em função de um debate.

Fonte:ParanáPortal/Foto:Divulgação/Senado Federal