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Cristina propõe lei para desconcentrar a mídia

Cristina propõe lei para desconcentrar a mídia

Principal atingido é o grupo Clarín; governo diz que meta é "democratizar informação" – Projeto dá a teles acesso ao mercado de TV a cabo; relação dos Kirchner com grupo de comunicação se deteriorou a partir de 2008

THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES

Em um ano em que enfrentará um teste eleitoral, o atual governo da Argentina abriu ontem mais uma frente de batalha ao apresentar sua proposta de reforma da Lei de Radiodifusão, que vai regular o futuro das comunicações no país.

Anunciada pelo governo Cristina Kirchner como intento de democratização do setor, a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual autoriza a entrada das empresas de telefonia no mercado de TV a cabo, habilitando-as a oferecer o serviço de "triple play" (banda larga, TV paga e telefone), que dá seus primeiros passos no país.

No Brasil, a participação de teles nesse mercado é vetada, mas a proibição está sendo rediscutida no Congresso. A iniciativa também limita o número de licenças de radiodifusão por empresa (24 para 10), cria uma "reserva social" (para entidades sem fins lucrativos) de 33% do espectro de radiofrequência (AM, FM, UHF, VHF), além de definir participação máxima de 35% no mercado de TV a cabo, entre outros pontos.

Por trás da discussão está a queda-de-braço do governo com o maior conglomerado de mídia do país, o grupo Clarín, dono de 50% dos mercados de TV paga e jornais, além de fatias em internet, rádio e TV.

O texto do governo atinge em cheio os interesses do grupo, por limitar sua participação e ampliar a concorrência no setor de TV a cabo -a espanhola Telefônica é um dos atores que negociam sua entrada no ramo. "Qual é o problema, Clarín, por que está tão nervoso?", questionou o ex-presidente Néstor Kirchner (2003-07) no último dia 10, ao criticar a cobertura política do grupo. A relação entre o casal Kirchner e o Clarín se deteriorou a partir do conflito do governo com o campo, em 2008. Insatisfeito com a cobertura pelo grupo, o governo apressou o debate da lei.

Mas o trato não fora sempre ruim. Foi sob Néstor, em 2007, que o governo aprovou a fusão entre a CableVisión e o Multicanal, as duas empresas líderes de TV a cabo do Clarín. Aprovada nos termos atuais, a lei poderia forçar a reversão da decisão. "Pode ser que isso [a nova lei] levante questões ligadas a certos esquemas de negócio, mas a intenção é fortalecer a qualidade institucional da democracia e da opinião pública", afirmou à Folha Luis Lazzaro, coordenador-geral do Comfer (Comitê Federal de Radiodifusão), órgão que regula o setor no país.

"Dívida da democracia"
A substituição da Lei de Radiodifusão vigente, editada na ditadura (1976-83), foi o único anúncio concreto de Cristina ao abrir o ano legislativo, no início deste mês. "É uma dívida da democracia", afirmou então. Ontem, ela disse que a lei é "para que todos possam pensar por si mesmos e não como indicam uma rádio ou um canal".

Cristina anunciou a lei no mesmo teatro de La Plata em que se lançou à Presidência. Com Néstor na plateia, disse que o projeto não é pessoal, mas "de todos os argentinos". Segundo Lazzaro, o texto será submetido a consulta pública por até 90 dias antes de ir ao Congresso. É tempo suficiente para o governo enfrentar uma batalha de cada vez -os Kirchner querem adiantar as eleições legislativas nacionais de outubro para junho.

O governo buscou legitimação social para seu projeto na Coalizão para uma Radiodifusão Democrática, encabeçada por entidades pró-governo, como a ONG Mães da Praça de Maio. "As telefônicas querem entrar no sistema de meios [de comunicação]. Sua capacidade econômica é muito maior, e quem já está, como o Clarín, quer evitar que novos entrem", disse à rádio América Guillermo Mastrini, do grupo. A reportagem procurou ouvir os grupos Clarín e Telefônica, mas não houve resposta.