Arquivos

Categorias

Coronavírus: infectologista recomenda vacinação contra a gripe para reduzir sobrecarga em hospitais brasileiros

O infectologista e epidemiologista Celso Ramos Filho, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos pioneiros no Brasil combate da maior pandemia da história recente da Humanidade, a de Aids, diz que o espalhamento do Covid-19 pela Itália aumentou significativamente o risco aqui.A As informações são de Ana Lúcia Azevedo n’O Globo.

Ele alerta que o país não está preparado e propõe a ampliação da vacinação contra a gripe para reduzir a sobrecarga nos hospitais de pessoas com doenças respiratórias.

O vírus chegou, mas não circula no Brasil. Temos um caso confirmado e outros suspeitos que, mesmo se confirmados, não configuram que o vírus esteja em circulação, isto é, que se espalhou por nossa população.

“O mais provável é que comecemos a ver a circulação do vírus por aqui em maio. É nessa época que começa a estação de doenças respiratórias, a gripe e os resfriados, e isso é um problema monumental”

CELSO RAMOS FILHO
Infectologista


E qual a possibilidade de o vírus entrar em circulação?

Não é mais uma questão sobre se ele vai entrar em circulação. É sobre quando vai entrar. Os casos na Itália, país com o qual temos ligações muito mais intensas do que com a China, mudaram tudo. É inevitável que o vírus continue a se espalhar pelo mundo. E o mais provável é que comecemos a ver a circulação do vírus por aqui em maio, talvez no fim de abril. É nessa época que começa a nossa chamada estação de doenças respiratórias, a gripe e os resfriados, e isso é um problema monumental.

Por quê?
Porque a chegada do novo coronavírus vai sobrecarregar um sistema que já não consegue dar conta de todos os casos de doenças respiratórias. Na verdade, não consegue dar conta de nada. E teremos mais um vírus respiratório circulando, somado aos da gripe e do resfriado comum, só estes são mais de cem.

Isso, na prática, vai inviabilizar o diagnóstico e dificultar o atendimento. Uma coisa é fazer testes para diagnosticar casos suspeitos em pequeno número, como temos visto por aqui. Isso o país faz bem. A outra é colocar na rede pública, na base do atendimento. É só ver a precariedade e a subnotificação dos casos de dengue, há décadas entre nós.

E quantos casos de Covid-19 poderemos esperar no Brasil, quando o vírus circular?
Uma estimativa da Universidade de Harvard previu que entre 40% e 70% da população mundial contrairão o vírus, mas que a imensa maioria dos casos será branda. Segundo a OMS, a taxa de letalidade está em 2%. Isso é muita gente. (Para uma população global de cerca de sete bilhões de habitantes, se 50% se infectarem, isso representará 140.000.000 de mortes.) É preciso ver a questão de escala para entender a gravidade do problema.

O que o senhor recomenda?
Que o governo brasileiro analise a possibilidade de universalizar a vacina da gripe, isto é, que passe a oferecê-la para toda a população e não apenas para grupos específicos, mais vulneráveis, que não chegam a 50% da população.

Por que a de gripe? O que isso traria de benefícios?
Em primeiro lugar, reduziria a carga sobre os hospitais, pois menos gente desenvolveria casos graves de gripe. Não há vacina contra o coronavírus. Então qualquer um pode adoecer e procurar um hospital. Mas, se reduzirmos os casos de gripe, causados por vírus influenza, que pode ser amenizada pela vacina (ela não evita, mas reduz a gravidade da doença), teremos menos gente precisando recorrer a hospitais e abriremos espaço para os casos de Covid-19.

A vacinação universal contra a gripe é viável no Brasil?
Montar uma campanha de vacinação e obter o número de doses necessárias para vacinar milhões de pessoas é algo extremamente complexo, que não se faz da noite para o dia. A produção de vacinas não é trivial, tampouco a preparação para distribui-las e imunizar a população. Também custa caro. Mas tratar qualquer doença custa sempre muito mais do que preveni-la. O Brasil tem expertise para grandes campanhas. É questão de vontade política e de preparação.

O senhor acha que o Brasil está preparado?
Definitivamente, não. Temos condição para diagnosticar casos isolados como esse que vimos agora, para detectar casos que estejam entrando. Nossos laboratórios e centros de referência são muito bons. Mas mesmo assim é limitado. Acho pouquíssimo provável que esse primeiro caso tivesse sido identificado tão depressa, se não tivesse sido atendido num hospital com a estrutura do Albert Einstein. O grande problema veremos quando a doença deixar de ser rara aqui e chegar no atacado.

Mas não foram estabelecidos recomendações e protocolos?
Sim, no papel. E não acessíveis a todos. A rede do SUS, que atende à imensa maioria da população, opera em condições precárias, sem precisar de Covid-19. Veja se há nas UPAs condições de identificar imediatamente um caso possivelmente suspeito, se alguém que entra com sintomas recebe máscara cirúrgica, daquelas comuns. Ou se ele fica lá misturado a todos os outros pacientes. Veja se os profissionais de saúde estão de máscara. Falamos de um vírus altamente transmissível e para o qual a única proteção são os cuidados básicos. E isso não temos.