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Carta aberta à Folha

Carta aberta à Folha

DR. ROSINHA, CLÁUDIO DIAZ, PEDRO SIMON e ALOIZIO MERCADANTE

Os "mercocéticos" talvez considerem que o Mercosul e seu Parlamento não têm relevância. Discordamos

ESTE JORNAL, em editorial de 14/4, com o agressivo título "Cabide parlamentar", acusa o Congresso de "ilimitada desfaçatez" por estar estudando a implantação de quatro vagas para a representação dos brasileiros que vivem no exterior e de 75 vagas, a partir de 2014, para o Parlamento do Mercosul.

Lamentamos que a Folha se refira ao Congresso Nacional em termos tão ofensivos. Ademais, como a proposta de criação da representação direta para o Parlamento do Mercosul vem sendo discutida em conjunto com políticos da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, a ofensa se estende aos legisladores desses países.

Os parlamentares do Mercosul não estão agindo com desfaçatez. Na realidade, estão só tentando cumprir o previsto no Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul. Esse protocolo, assinado pelos Poderes Executivos, é um compromisso internacional ratificado pelos Estados-partes do Mercosul. Ele prevê, em seu artigo 6º, que "os parlamentares serão eleitos pelos cidadãos dos respectivos Estados-partes, por meio de sufrágio direto, universal e secreto".

Assim, a atual fase do Parlamento do Mercosul, na qual os parlamentares são designados a partir de seus Legislativos nacionais, representa uma "primeira etapa de transição", que terá de terminar, conforme o protocolo, em 31/12/10.

Agregue-se que o protocolo também determinou que a proposta com o número de parlamentares por país para que se estabeleça a representação direta teria de ser aprovada no Parlamento até 31/12/07. O Paraguai, inclusive, já realizou eleições diretas para eleger seus representantes.

Portanto, essa discussão, longe de ser oportunista, está muito atrasada. E está atrasada por um motivo: havia resistências a que o Brasil tivesse um número maior de representantes. Essas resistências estavam sendo duramente negociadas. Elas só foram vencidas na reunião do último dia 28, na qual acordou-se que, no período entre 2010 e 2014, o Brasil, em consonância com a austeridade que a crise demanda, terá só 37 parlamentares.

Os "mercocéticos" talvez considerem que o Mercosul e seu Parlamento não têm relevância. Discordamos. Hoje, o Mercosul tem grande importância para todos os países do bloco. Se incluirmos também os Estados que participam de sua área de livre comércio, veremos que o Mercosul foi responsável, em 2008, por cerca de 19% das exportações brasileiras, ao passo que os EUA responderam por 14%. Saliente-se que essa corrente de comércio regional é fortemente superavitária para o Brasil, tendo gerado, no ano passado, US$ 14,4 bilhões de saldo positivo, mais da metade do saldo total (US$ 24,8 bilhões).

Mas a importância maior do Mercosul é estratégica, política e social, o que implica paciente criação de cidadania comum, a qual consolidará o bloco. Para tanto, o Parlamento do Mercosul é fundamental.

Esse jovem Legislativo regional vem elaborando propostas relativas ao enfrentamento conjunto da crise, ao reconhecimento de títulos e diplomas, à livre circulação de trabalhadores, à harmonização da legislação trabalhista e previdenciária, bem como a outros temas substanciais. O Parlamento já é também um relevante órgão mediador de conflitos bilaterais, como o relativo a Itaipu.

O fato de haver conflitos comerciais no Mercosul não obsta a criação de um Parlamento regional inspirado no Parlamento Europeu. Pelo contrário: a experiência europeia mostra que a criação de instituições supranacionais contribui para a superação dos conflitos.

Considere-se, além disso, que os processos de integração regionais não podem prescindir de instituições democráticas multilaterais que os consolidem no interesse do cidadão comum. Assim, a construção do Parlamento do Mercosul faz parte de uma tendência de paulatina implantação de cidadanias multinacionais.

Por último, lamentamos que a Folha se oponha aos avanços democráticos regionais com base em mensuração precipitada e exagerada dos seus custos financeiros. O funcionamento das instituições democráticas infelizmente gera custos. Ditaduras, não. Ditaduras são, desse ponto de vista estreito, baratas. Basta um ditador com desfaçatez absoluta. Não são necessários os Legislativos. Não precisa nem de imprensa livre.

É claro que, nesse caso, somos forçados a renunciar a certos "luxos democráticos". Como poder escrever editoriais ofensivos ao Congresso Nacional e aos Legislativos de países vizinhos. Essa liberdade, a Folha certamente concordará, não tem preço.

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FLORISVALDO FIER , o Dr. Rosinha, 58, médico e servidor público, é deputado federal (PT-PR).
CLÁUDIO DIAZ , 55, veterinário e pecuarista, é deputado federal (PSDB-RS).
PEDRO SIMON , 79, advogado e professor, é senador da República (PMDB-RS).
ALOIZIO MERCADANTE , 54, economista e professor, é senador da República (PT-SP).