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Breve atropelo de Micael precisa de mais fôlego

Zé Beto Maciel

O livro do professor Micael Alvino da Silva, Breve História de Foz do Iguaçu, é de fácil leitura nas suas 150 páginas. Dá a entender que é o objetivo deste projeto de extensão que envolveu 200 estudantes e resultou nesta edição da Epígrafe patrocinada pela Uniamérica. Dividido em três partes com 12 capítulos, dá uma passada de mão numa tentativa apressada talvez para provocar mais debate ou uma obra de mais fôlego do registro de pelo menos 150 anos da história da cidade, rica em fatos, personagens e de narrativas que podem explicar um cosmopolitismo às avessas.

A primeira é a mais densa – lembrem-se que é uma breve história -, tem 32 páginas e traz quatro capítulos que vão desde a formação do Iguassu, a economia baseada na erva-mate e exploração da madeira, a fundação do colônia, do Parque Nacional, a participação do aviador Santos Dumont, a formação da Coluna Prestes e os efeitos da Segunda Guerra na comunidade itálico-germânica de presença considerável no período entre 1938 e 1945.
Micael escreveu um belo livro – A Segunda Guerra Mundial e a Tríplice Fronteira – A vigilância aos “súditos do eixo” alemães e italianos – que traz confusões geralmente de caráter interpessoal, erros de abordagem, investigações ou falta delas, e uma história pitoresca.

O padre Manoel Konner, hoje nome de colégio em Santa Terezinha de Itaipu e que foi professor do Científico em Foz do Iguaçu, fora acusado e com provas de esconder caixas de armas para um cônsul austriaco.

No entanto, Santos Dumont e a formação da Coluna Prestes merecem registros mais apurados pela passagem em Foz do Iguaçu. A Noite das Grandes Fogueiras, de Domingo Meirelles, é de leitura obrigatória. Micael da Silva aponta ainda uma série de livros sobre esse período, de 1900 a 1945.

Ainda deste período avançando nos anos 50 até 70 estão os livros proseados e de autoficção de Fábio Campana: Restos Mortais (1978), No Campo do Inimigo (1981), Paraíso em Chamas (1994), O Guardador de Fantasmas (1996), Todo o Sangue (2004), O último dia de Cabeza de Vaca (2005) e Ai (2007). Eu resenhei a maioria.

Ainda mais para trás, temos Naufrágios e Comentários de Alvar Nuñez Cabeza de Vaca, Viagem ao Rio da Prata de Ulrich Schmidl – desse eu escrevi Um Alemão e 700 mil Índios – e Cabeza de Vaca, de Paulo Markun.
Campana está correto quando diz que as curvas dos rios Paraná e Iguaçu abrigou muita gente que pretendia esconder seu passado, pecados e outros dissabores da vida e, até, realizar sonhos e construir vidas. O que forma cíclica vem acontecendo em todas as décadas bem antes dos anos 1900 até o presente.

Outro livro, Descoberta de Foz do Iguaçu, escrito por José Maria de Brito em 1938 e reeditado pelo Fábio Campana e por mim em 2005. Nesta reedição, publicamos trechos de uma ata de 1907 do Ministério do Exército, onde revela que um dos ícones na formação da cidade tinha uma conduta questionável. Micael Silva traz mais alguns detalhes deste contexto, principalmente da relação dos poderes nas duas décadas após a emancipação política-administrativa do Município.

“Cansado, doente e privado do mínimo para sua subsistência, José Maria de Brito debruçou-se em 1938 e escreveu a ‘descoberta’. Morreu pouco tempo depois em 1942 num dos leitos da recém criada Santa Casa Monsenhor Guilherme. Morreu abandonado na companhia de uma filha e da enfermeira Irene Vera”, escrevi no prefácio do livro de Brito.

O trágico disso é que o hospital que atendeu quem escreveu parte da história de Foz do Iguaçu foi a pique a partir de 2006 e recentemente sua estrutura foi demolida para dar lugar às duas torres de apartamentos.

Voltando ao livro de Micael da Silva, as partes duas e três correm mais rápido para ainda tratar das pontes construídas, da Itaipu Binacional, da diversidade étnica, dos paraguaios, da zona franca de Ciudad del Este, da Vila Paraguaia, brasiguaios, argentinos. Todos esses temas escritos em 37 páginas precisam de uma pesquisa mais acurada e densa.

Nesse período de 1945-2000, pode-se escrever sobre o transporte coletivo; o Exército durante a intervenção militar – diz-se que o prefeito desta época procurava o comandante do batalhão para o endosso dos cheques emitidos pela prefeitura -, personagens como o Sargento Reis, Cabo Frias, Luiz Rolon, Tarquínio Joslin Santos (apontado como comunista), Dona Carlota, Anastácia Cabrera Melgarejov, Dona Délia, Dona Rosinha, Kid Chocolate, Quati, Baca, Baxô, Passinato – só para citar alguns.

E ainda o sequestro dos paraguaios pelo major Curió, a retomada democrática na cidade e região, a formação da associação de bairros, os avá-guarani, a participação dos estudantes de Foz na implantação da Unioeste, a greve de fome dos vereadores, a volta de Leonel Brizola do exterior. O livro ‘onde foi que vocês enterraram os nossos mortos?’, de Aluízio Palmar, citado por Micael da Silva, é bom exemplo de pesquisa e registro.

A parte 3, um apanhado superficial da tríplice fronteira do século 21, que também precisa de aprofundamento.

Duas considerações que considero importantes no livro. A primeira é a disposição digital em vídeo do autor e um punhado de exercícios sobre os temas abordados, embora não consegui acessá-los. A outra é a boa profusão referencial de livros, dissertações e trabalhos escolares que, infelizmente, na sua maioria de conhecimento intramuros das faculdades e universidades.

Micael Alvino da Silva lançou agora mais um livro: Breve História da Tríplice Fronteira.”O livro é resultado de mais de dez anos de pesquisa. Foram centenas de documentos lidos emarquivos históricos (Curitiba, Rio de Janeiro, EUA), inúmeras entrevistas e dezenasde livros consultados em português, espanhol e inglês. O livro tem 133 notas de rodapéindicando as fontes e 70 livros foram diretamente citados no texto”, escreveu o autor.

A brevidade de Micael da Silva sinaliza como outro livro sobre como era a tríplice antes da Ponte da Amizade em 1965. “Na época, o Paraguai era floresta e a Argentina era o lado mais desenvolvido da fronteira. O Parque Nacional do Iguaçu foi um investimento federal muito alto para a época e transformou Foz do Iguaçu”, disse o professor.

Foz do Iguaçu merece livros como as trilogias de Lira Neto sobre Getúlio Vargas e de Laurentino Gomes sobre o império – 1808, 1828 e 1889 – e que agora avança com o primeiro volume da trilogia sobre a escravidão.

P.S. – As bolas de concretos colocadas na Avenida Brasil não tem nada de homenagem ou referência aos laranjas usados para compra e transporte das muambas de Ciudad del Este