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Brasil está exposto à espionagem graças a Paulo Bernardo, diz ex-presidente da Telebrás

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Andre Barrocal
Carta Capital

O lobby venceu a soberania

O Brasil está tão exposto à espionagem telemática, diz Rogério Santanna, graças a Paulo Bernardo

O Brasil poderia estar mais protegido da espionagem dos Estados Unidos denunciada pelo ex-agente da CIA, Edward Snowden, se o governo não tivesse abandonado a ideia de revigorar a Telebrás, acredita o ex-presidente da estatal Rogério Santanna.

A recuperação da companhia e seu uso estratégico eram pilares do Plano Nacional de Banda Larga lançado em maio de 2010. Segundo o PNBL. A Telebrás assumiria a rede de órgãos públicos, por exemplo, (após três anos, só a Presidência e o Exército têm o serviço). Também seria um ponto de apoio a empresas brasileiras de telecomunicações, como a Petrobras faz no petróleo.

Santanna foi o primeiro presidente da nova Telebrás, mas deixou o cargo em maio de 2011, após se ver enfraquecido em Brasília. Segundo ele, o PNBL está emperrado por força do lobby das operadoras privadas de telefonia, crescente desde a nomeação de Paulo Bernardo para o Ministério das Comunicações.

CartaCapital: Por que não foi possível levar adiante os planos do PNBL para a Telebrás?

Rogerio Santanna: O lobby das operadoras foi mais forte do que a intenção de soberania. Vimos claramente a Telebrás mudar de direção. Ela se tomou uma empresa fornecedora de infraestrutura para as grandes operadoras privadas.

CC: Em que momento se deu isso?

RS: Com a ascensão do ministro Paulo Bernardo. Desde o início ele deu sinais de que levaria a política de telecomunicações mais para perto das operadoras. Ele chegou a se declarar, pelo Twitter, como “o ministro das teles”. Parece que ele vem cumprindo bem esse papel.

CC: Como o ministro Paulo Bernardo interferiu nos rumos da Telebrás?

RS: Ele nunca conversou comigo sobre qualquer orientação estratégica nem liberou os recursos combinados. A primeira transferência de dinheiro do governo para a Telebrás foi feita exatamente no dia em que eu saí. Como diria Maquiavel. é mais importante saber o que um governo pretende olhando onde ele bota as mãos do que olhando onde bota as palavras.

CC: Por que acha que o ministro agiu assim?

RS: É uma orientação do grupo político dele. Ele é o padrinho do presidente da Anatel, o João Rezende, que claramente tem essa posição. Não sei se por opção ideológica ou outra razão, mas não fazia parte dos planos do ministro dar à Telebrás o papel que havíamos concebido no governo Lula. Infelizmente, o PNBL teve pouco tempo de governo Lula para ser consolidado. Na prática, ele só iria funcionar no governo Dilma.

CC: Nada foi feito como previsto no PNBL original?

RS: Muitas das coisas concebidas no governo Lula não foram executadas, a começar pelo Orçamento. Havia uma previsão orçamentária de 1,4 bilhão de reais. Primeiro, ela foi reduzida a menos da metade e depois não foi executada. A Telebrás deveria criar uma infraestrutura para dar suporte à conexão do governo. Para acalmar a sanha das teles, logo no início o ministro disse que a Telebrás não iria prestar esse tipo de serviço, que ia se concentrar em fornecer backbone, espinha dorsal da rede de cabos que corta o País, para pequenos provedores. Ele não quis tirar o filé mignon das teles, que cobram preços absurdos pelos maus serviços prestados ao governo.

CC: Pelo PNBL, o que a Telebrás faria para o Estado brasileiro?

RS: Forneceria um backbone estratégico para as grandes conexões do governo, como aquelas do Serviço Federal de Processamento de Dados, da Dataprev, a empresa de tecnologia e informações da Previdência Social, e até das Forças Armadas Todas essas conexões são contratadas hoje das operadoras tradicionais.

CC: A falta desse backbone estratégico deixa o Brasil exposto?

RS: E um conjunto de coisas. A primeira foi abrir mão da soberania em satélites, uma decisão surreal para qualquer país do porte do Brasil. O satélite da Embratel foi vendido na privatização. A segunda é não ter soberania em cabos submarinos. Hoje, 90% da internet brasileira passa pelos Estados Unidos. Mas o pior é não deter tecnologia em telecomunicações. Até temos empresas promissoras que, com algum incentivo, poderiam crescer e ajudar o governo a ter autonomia. Os chineses e os indianos fazem isso. Quem não tem tecnologia nessa área não sabe o que está comprando.

CC: O Brasil está indefeso?

RS: Não há como estar seguro sem algum nível de controle tecnológico.

CC: Ainda dá para reverter a situação?

RS: Não é um projeto que se resolva por decreto e do dia para a noite. Depende de várias frentes, de uma coordenação nacional. O Brasil tem empresas excelentes que, com investimento e incentivo, poderiam desenvolver soluções próprias. A Telebrás poderia progressivamente assumir a linha de frente, só depende de orientação estratégica. Um país que tem a Petrobras e a Embraer pode ter qualquer empresa de tecnologia.

CC: Quanto a Telebrás precisaria investir para proteger o Estado?

RS: Nem é tanto questão de dinheiro, é de decisão. Mas, se o PNBL concebido no governo Lula tivesse sido executado, estaríamos melhores. Espero que o caso Snowden seja também uma oportunidade para o País entender algumas coisas. Estamos numa posição muito tímida até agora. Devíamos convidar Snowden para vir e explicar o que sabe. Qual era, por exemplo, o papel da Booz Allen? Essa empresa foi uma grande prestadora de serviços no governo Fernando Henrique e, pelo que Snowden disse, era quase uma filial da bisbilhotagem dos serviços norte-americanos. Pelo menos 80 multinacionais do setor, entre telefônicas, firmas de software e de segurança na rede dão suporte à vigilância, segundo a revista alemã Der Spigel.