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Atração pelo abismo, por Ademar Traiano

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche notou que existe uma espécie de reciprocidade no mal. “Quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha de volta para você”.

A frase vem à cabeça quando se acompanha o noticiário a respeito das medidas adotadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega a serviço do voluntarismo econômico da presidente Dilma Rousseff.

A gestão de Mantega contempla cobiçosamente o abismo, e não é de hoje. O equilíbrio fiscal, uma conquista penosa, obtida depois de mais de 15 anos de esforços e sacrifícios de todos os brasileiros, vem sendo sistematicamente destruído pela ação do ministro e de sua crença no ilimitado poder do Estado de induzir o crescimento e submeter a sua vontade, e de sua chefe, os agentes econômicos, para obter resultados duvidosos e sempre de curto prazo.

 


Nessa festa heterodoxa vale tudo, desde renúncias fiscais, que podem ter efeitos desastrosos para os Estados. Utilização de estatais, como a Petrobras, para controle da inflação, além sustentar a popularidade crescente da presidente.

A última investida de Mantega para solapar as bases do equilíbrio fiscal está dramaticamente representada pela decisão de liberar mais R$ 21 bilhões do Tesouro para que a Caixa Econômica e o Banco do Brasil possam aumentar a oferta de empréstimos.

Trata-se do aprofundamento de uma política equivocada. Graças a ela, hoje, de cada R$ 100 em crédito novo liberado pela economia brasileira neste ano, R$ 66 saíram de bancos públicos. A Caixa e o Banco do Brasil bancam um percentual assustador do aumento dos financiamentos.

Ou seja, boa parte crédito existe por uma decisão de governo que desconsidera os parâmetros da economia, ou pior, acredita que eles obedecerão às teses do ministro Mantega ou então que se assustarão com os pitos da presidente Dilma.

O controle da inflação, a responsabilidade fiscal, conquista inquestionável dos anos FHC vem sendo de forma lenta, gradual e segura, destruídas por uma política deliberada e temerária de intervenção na economia. Todo o esforço despendido para sanear a economia brasileira está em risco.

A obsessão pelo crescimento a golpes de estímulo artificiais, sem que se ataquem às causas primárias dos nossos problemas é um erro que pode custar muito caro. Nada é feito para equacionar os gargalos logísticos e o custo Brasil, verdadeiros entraves do crescimento. O imediatismo tem levado a políticas arriscadas, de efeito limitado e resultado duvidoso.

Há consenso de que a política de empurrar as famílias brasileiras para o endividamento está chegando a limites perigosos. O crédito dos bancos públicos cresceu 27% e a inadimplência subiu 22% em 12 meses. Os sinais de bolha em alguns setores são evidentes.

Uma análise produzida pela revista Veja revela o quanto o uso desmedido de instituições públicas de crédito (e de estatais, como a Petrobras) como instrumentos de política econômica é uma estratégia de alto risco e de resultados incertos.

“No fim dos anos 90, nos Estados Unidos, o então presidente Bill Clinton afrouxou as regras das hipotecas com o objetivo de tornar a compra da casa própria acessível aos mais pobres e aos cidadãos com péssima história de crédito. Populismo puro”, diz a revista, que traça um paralelo nada casual com o Brasil do PT. “Anos mais tarde essa liberalidade ajudou a inflar a bolha imobiliária que deu origem à crise de 2008”.

É bom lembrar que 2008 é um ano que não terminou. Suas consequências estão na origem da crise europeia, que contamina boa parte do planeta, inclusive o Brasil, que viu a marolinha de Lula se transformar num vagalhão que ameaça engolfar o país.

O Brasil que este ano deve colher um pibículo de 1,5% apesar de todas as extravagâncias heterodoxas do ministro Mantega e da presidente Dilma, talvez não tenha sofrido, ainda, todas as consequências de 2008. Mantega e Dilma não estão fazendo nada de inteligente para minimizar as consequências da crise mundial.

Devemos torcer para que as consequências dessas temeridades se limitem ao crescimento pífio e não venham acompanhados do desequilíbrio fiscal e do descontrole inflacionário. Algo que jogaria o Brasil de volta para o turbilhão descontrolado dos anos 80. É uma perspectiva assustadora, mas lógica. Depois da contemplação doentia do abismo, o próximo passo é mergulhar nele. Vamos torcer para que isso não aconteça.

*(Ademar Traiano é deputado estadual pelo PSDB do Paraná e líder do governo na Assembleia)

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