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As eleições municipais

Gaudêncio Torquato

Coisa inédita: teremos eleições municipais este ano e o grande evento parece sem importância. Compreensível. O Covid-19 joga todos os outros temas no esquecimento. Um pouco mais adiante o pleito estará na mesa dos candidatos para construir a base do edifício político com 5.570 prefeitos e quase 60 mil vereadores.

Não haja dúvidas. As eleições não devem se dar na data marcada, 4 de outubro. Mais provável o 15 de novembro. Será uma campanha mais rígida em muitos aspectos, a começar pelo fim das coligações proporcionais. Nada de candidato puxado pela soma de votos

Isto se aplica a outros aspectos, como no dos recursos financeiros. O dinheiro mais curto exigirá campanhas objetivas, equipes restritas, sem parafernálias. A campanha encontrará um eleitor diferente do tradicional.

Qual seu perfil? Difícil apontar todas as influências no sistema cognitivo das pessoas, mas é possível pinçar valores para suas escolhas. A começar pelo sofrimento provocado pela pandemia que assolou o país e deve se alongar até o final do ano. Todos, uns mais, outros menos, carregarão essas marcas de medo e angústia e impregnarão nosso modus vivendi.

Como esta bagagem emotiva se fará presente diante da urna eletrônica? Provável resposta: escolher o perfil que melhor traduza o Custo x Benefício. Não significa dinheiro, bens materiais, embora um contingente ainda vote sob esta teia. É outro tipo: qualidade, seriedade, preparo, disposição, compromisso, inovação, simplicidade e coragem contra os velhos padrões. P. S. Bolsonaro, eleito com essas bandeiras, está mostrando ser da velha guarda. Até sua conduta diante da pandemia será lembrada.

Quem pode encarnar esse acervo? Qualquer pessoa mais próxima do eleitor. Valerá tanto para o voto no prefeito(a) ou no vereador(a). Constatação: é forte a impressão de que as mulheres serão bem votadas, em virtude da expressão de dor nos hospitais e filas nas ruas. O endinheirado não será necessariamente eleito ou mais votado. Pobres, ricos, feios e bonitos, jovens e maduros disputarão a mesma oportunidade.

O que pretendo dizer é que as desigualdades diminuem, elevando a probabilidade de uma limpeza geral na galeria dos velhos retratos.

E o que dizer? Primeiro, evitar o óbvio das promessas mirabolantes, que soa artificial na boca de candidatos. O momento exigirá criatividade, formas simples, críveis e objetivas de dizer as coisas. Governar juntos, por exemplo, mas sem a carcomida locução. O candidato deve ter uma plataforma de conselhos de bairros e comunidades, demonstrando que efetivamente quer administrar sob o princípio da democracia participativa.

No mais, ouvir o vento do tempo, que passa todos os dias por nós. Traz recados. Suave ou forte, exibe em nossos sentidos o molde da emoção e da razão do povo. Meu saudoso pai, todos os dias, da calçada onde conversava com os amigos, às 19 horas, aprumava o faro para sentir o jeitão do tempo. Olhava para o Nascente, para as nuvens, jogava sua impressão aos ouvintes e arrematava: “amanhã, não, mas depois de amanhã vai chover. E fulano não é bom de voto. Já sicrano, esse sim, será eleito”.

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político