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AS CONTRADIÇÕES DO CAMPO

Enquanto 43% das terras brasileiras são ocupadas pelos latifúndios, 70% da produção de alimentos são de responsabilidade dos agricultores camponeses

“É fundamental que façamos este debate. Uma estratégia pautada na soberania alimentar, além de assegurar alimentos à população em situações de crise, é uma política altamente inclusiva.” A fala é da professora adjunta do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Eliane Tomiasi Paulino, ao afirmar a importância de discutir as reais consequências geradas a partir do modelo de agricultura comercial adotado no Brasil. Resultados que serão abordados durante a 24ª Romaria da Terra do Paraná, que ocorre no próximo dia 16 de agosto, em Marilândia do Sul, região norte do estado.

Para Paulino não podemos retribuir o atual modelo somente ao processo de colonização. Segundo ela, instaurado o regime de propriedade privada no Brasil com a Lei de Terras de 1850, este modelo de agricultura, regulado na concentração, foi reafirmado. “O que tínhamos antes da Revolução Verde era uma grande concentração de mão-de-obra humana e animal nas lavouras, principalmente nas plantações de café. É o que chamamos de acesso precário às terras. Os camponeses não eram proprietários de terra, mas trabalhavam nela”, explicou.

Foi a partir da década de 1960 que o campo brasileiro passou, segundo Paulino, pela chamada modernização conservadora que tem como pilar modernizar os grandes latifúndios em busca de qualidade e alta produtividade. Tudo isso acompanhado pela adubação química e mecanização, tendo como foco a exportação. É chegada a Revolução Verde, onde a mão-de-obra do camponês foi substituída pelo uso das máquinas. “Estima-se que entre os anos de 1970 e 1980 cerca de 30 milhões de brasileiros foram despejados nos centros urbanos.”

É neste contexto que há o inchaço das populações urbanas e, conforme Paulino, os impactos são generalizados, pois, segundo ela, a concentração de terras impede a geração de renda. “As pessoas são expulsas do campo, vão para cidade e engrossam a massa industrial. Quanto maior a oferta, menor o valor. Resultado: salários baixos, favelas, violência. A cidade é a cara do agricultor e ela não o inclui pelo trabalho. Afinal, quem fica satisfeito e amistoso quando não se tem onde morar e o que comer? As pessoas urbanas só se relacionam com o campo quando vão ao mercado e percebem que o preço dos alimentos está mais caro”, analisou a professora que ainda afirmou que este processo ainda não acabou. Para ela o modelo da agricultura brasileira vai desempregar cada vez mais. “E os centros urbanos não suportam mais esta demanda”, alertou.

Segundo Eliane Tomiasi Paulino, este modelo que conhecemos hoje como agronegócio é extremamente sedutor pelas facilidades que proporciona nos manejos agrícolas. Já a produção pautada na Agroecologia, por exemplo, exige uma imensa quantidade de processos artesanais, o que desestimula os pequenos agricultores. A professora acredita que esta é uma competição desleal, mas que a aplicabilidade da Agroecologia em busca da Soberania Alimentar não é impossível, contudo exige uma reconstrução do modelo agrícola. “Não existe nada na sociedade que realmente estimule o processo orgânico”, observou.

“Nem a modernização e nem o dinheiro fez o agronegócio produzir”

Atualmente o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking dos maiores exportadores de alimentos do mundo. É com esta imagem, reafirmada constantemente na mídia, que o agronegócio foi socialmente legitimado como o sustentador da economia nacional. Todavia, conforme dados de 2007 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a agropecuária contribuiu com apenas 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Já a indústria colaborou com 29,8% e o setor de serviços com 63,7%. Não bastasse, o Brasil perde para a Holanda que ocupa o segundo lugar em exportações de alimentos no mundo. Vale lembrar que o território da Holanda é menor do que o estado de Sergipe.

Além disso, de acordo com dados do último censo agropecuário brasileiro publicado (referente aos anos de 1995 e 1996), informados a reportagem pela professora, a agricultura camponesa é responsável por 70% da produção de alimentos no país.

Segundo as amostragens apenas 21,8% do rebanho bovino encontra-se nos grandes estabelecimentos, 37,7% está nos pequenos estabelecimentos. Na produção do arroz, os grandes contribuem com 18,4%, enquanto os pequenos com 38,9%. No caso do feijão a diferença é enorme, os pequenos são responsáveis por 78,5% da produção nacional, já os grandes estabelecimentos produzem apenas 4,6%.

Esta discrepância também ocorre com o milho (54,4% produzidos por pequenos e 10,8% pelos grandes) e com o trigo (60,6% produzidos pelos pequenos e 4,2% pelos grandes estabelecimentos). O soja, símbolo do agronegócio, também tem sua produção concentrada nos pequenos estabelecimentos. Enquanto os grandes produzem 21,9%, os pequenos são responsáveis por 34,4% da produção nacional.

Além de apresentarem grandes diferenças na produção, estes estabelecimentos também se divergem em geração de renda. Enquanto os pequenos respondem por 86,6% de todos os empregos e ocupações no campo, os grandes geram apenas 2,5% deles. “Não podemos esquecer que 43,7% das terras do país são ocupadas por apenas 50 mil estabelecimentos (0,9%) com mais de um mil hectares e que três milhões de propriedade com até dez hectares (52,9%) ocupam apenas 2,7% da área total do país”, ressaltou.

Eliane Tomiasi Paulino também salientou que com a reafirmação do agronegócio, cada vez mais perdemos políticas voltadas em busca da soberania alimentar, mesmo à frente de inúmeros problemas causados pelo atual modelo agrícola. Um exemplo citado pela professora foram os recentes pacotes agrícolas, referentes ao plano safra 2009/10, lançados pelo governo federal em que R$ 93 bilhões serão disponibilizados para financiar a safra agrícola comercial, enquanto R$ 15 bilhões serão destinados a agricultura familiar.

Soberania alimentar: uma lógica simples e inclusiva

A professora da Universidade Estadual de Londrina, Eliane Tomiasi Paulino, acredita que este processo de modernização conservadora que acarretou inúmeros problemas sociais e ambientais para o país e para o mundo, tem volta. Basta inverter a lógica do estado brasileiro. “É só inverter os pacotes agrícolas. Investe R$ 15 bilhões na agricultura comercial e R$ 93 bilhões na familiar. Este já seria um grande passo”, sugeriu Paulino que ainda ressaltou a importância da reforma agrária para a concretização deste processo.

Para a professora a soberania alimentar é a política mais estratégica para a geração de renda, além de ser altamente inclusiva. “Ela mantém os camponeses no campo. Isso gera mais produção. São mais pessoas produzindo. Mais renda para movimentar o comércio da região. É uma lógica simples”, argumentou Eliane que ainda lembrou que esta é política agrícola adotada na maioria das sociedades mais desenvolvidas do mundo, como os países da Europa.

Ela também ressaltou que a participação da igreja neste debate é fundamental, pois, de acordo com ela, esta instituição tem forte penetração na sociedade em geral. “Este debate é mais eficaz quando é realizado no plano religioso do que a mídia, pois a igreja tem maior confiabilidade perante a população.” A professora acredita que estes momentos, como as Romarias da Terra, representam um engajamento coletivo necessário para buscar mudanças. “Só haverá mudança se houver mobilizações coletivas permanentes.”

Thays Ferrari Puzzi
Assessora de Comunicação
CPT Paraná
(43) 3347-1175
www.cpt.org.br

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