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Articulações dos “dias seguintes” ao 1º turno foram decisivas

A campanha de Lula foi rápida na negociação e no acerto de apoios para conter possíveis adesões ao adversário. Enquanto Geraldo Alckmin, do PSDB, não foi capaz de unir aliados e demonstrar que era, de fato, uma perspectiva de poder.

Nelson Breve – Carta Maior

Políticos da situação e da oposição concordam com o diagnóstico: os dois dias seguintes ao primeiro turno da eleição presidencial, ocorrido no dia 1º de outubro, foram decisivos para a consolidação da vantagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à reeleição pelo PT. A campanha de Lula foi rápida na articulação de apoios para conter possíveis adesões ao adversário Geraldo Alckmin, do PSDB, que teria vacilado ao não conseguir emendar o embalo da semana anterior.

Primeiro, os governadores vitoriosos no primeiro turno apareceram prontamente em fotos ao lado do presidente. Além dos quatro petistas (Binho Marques, do Acre, Welington Dias, do Piauí, Marcelo Déda, de Sergipe, e Jaques Wagner, da Bahia), Waldez Góes, reeleito governador do Amapá pelo PDT, Marcelo Miranda, reeleito no Tocantins pelo PMDB, e Cid Gomes, eleito no Ceará pelo PSB, apareceram logo no primeiro momento dando apoio a Lula. Eduardo Braga (PMDB), reeleito no Amazonas, estado onde Lula teve a maior votação proporcional, não apareceu nas primeiras fotografias porque teve de se submeter a uma cirurgia, mas mandou o vice para representá-lo.

Além disso, foram acertadas rapidamente várias composições para o segundo turno. Com o PMDB, em Goiás, no apoio a Maguito Vilela. No Rio de Janeiro o apoio a Sérgio Cabral uniu PT e PRB, do candidato derrotado no primeiro turno Marcelo Crivella. Foi firmado acordo no Pará com o PMDB, que está apoiando a candidata do PT, Ana Júlia Carepa. Em Pernambuco, o apoio a Eduardo Campos, do PSB, foi imediato. Na Paraíba, a aliança com José Maranhão (PMDB) já vinha do primeiro turno, assim como no Rio Grande do Norte, onde a aliada de Lula é Wilma Farias, do PSB.

Um telefonema de Lula para Germano Rigotto, governador do Rio Grande do Sul, nas primeiras horas da segunda-feira, dia 2 de outubro, foi importante para evitar que ele declarasse apoio instantâneo a Alckmin no segundo turno. De Paulo Hartung (PMDB), um ex-tucano que foi reeleito no Espírito Santo, também conseguiu a neutralidade. O apoio do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS) teve de ser preparado com mais cuidado, por envolver negociações com o setor do agronegócio, que ele representa.

A vitória de Jaques Wagner na Bahia foi muito importante para a auto-estima petista e também fez diferença na largada do segundo turno. Não era esperada e simbolizou uma derrota das oligarquias nordestinas que apostaram em Alckmin. Acendeu a militância petista e reforçou o discurso de que manter Lula no governo seria manter a esperança de redução das desigualdades.

Do lado de Alckmin, as coisas não deram muito certo neste mesmo período. Ele não conseguiu aproveitar o embalo do final do primeiro turno. Alguns aliados do candidato tucano acreditam até que possa ter ocorrido, naquele momento, um pouco de corpo mole de outros tucanos que não acreditavam que o ex-governador de São Paulo pudesse passar ao segundo turno. Governadores eleitos ou reeleitos, como José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), e seus seguidores teriam ficado preocupados com a possibilidade de vitória de Alckmin, que poderia atrapalhar futuros planos individuais.

Alckmin demorou para aglutinar seu exército e seus aliados vitoriosos demoraram para aparecer nas imagens da TV e nos jornais. Não criou a sensação de que a oposição recebera um volume significativo de adesões. Quando conseguiu montar uma fotografia, o tucano foi flagrado com o personagem errado: o ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (PMDB), articulado pelo presidente do PMDB, Michel Temer, que quase não conseguiu se reeleger deputado federal por São Paulo. Com Ivo Cassol, governador reeleito de Rondônia pelo PPS, nem foto quis.

Para um aliado próximo do ex-governador de São Paulo, ele não conseguiu impor logo de cara sua agenda para o segundo turno. Talvez por imaginar que a virada aconteceria naturalmente. O sinal mais evidente dessa acomodação é a proposta da própria campanha do tucano de reiniciar os programas eleitorais na TV apenas no dia 12 de outubro. Estranho, porque, em um primeiro momento, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio de Mello, indicou a possibilidade de reiniciar a campanha logo na primeira semana de outubro.

Só depois, consultando a legislação, ficou claro que os programas só poderiam ser reiniciados cinco dias após a proclamação do resultado. O problema é que o PSDB, não apenas deixou de questionar o alongamento, como propôs a trégua de 12 dias. É como se um boxeador que surpreendeu o adversário com um golpe forte no final de um assalto propusesse que o intervalo para descanso fosse aumentado, dando-lhe mais tempo para recuperação.

De todas os deslizes naqueles dois primeiros dias após o primeiro turno, talvez o mais grave tenha sido a falta de imposição por parte de Alckmin, que não foi capaz de demonstrar que era, de fato, uma perspectiva de poder. As imagens dele no noticiário estiveram associadas a derrotados, como o senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL, que teve um desempenho ruim nas urnas, perdendo vários estados e diminuindo sua bancada na Câmara dos Deputados, o deputado federal Roberto Freire, presidente do PPS, que aceitou ser suplente do ex-governador Jarbas Vasconcelos (PMDB) ao Senado para não passar pelo vexame de não ser reeleito, e o senador Tasso Jereissati, presidente do PSDB, que perdeu completamente o comando político do Ceará, estado que governou por 12 anos. Enquanto Lula aparecia com vitoriosos, Alckmin recebia o trio dos "sem-votos" da oposição.

Quando percebeu que a virada não viria pela lei da gravidade, o presidenciável tucano partiu para uma tática arriscada, a da agressividade. Para as elites, parecia ter ganhado o primeiro debate da TV Bandeirantes, no dia 8 de outubro. Mas para o povo, o resultado foi inverso. E ainda deixou o flanco aberto para o contra-ataque da campanha de Lula, que colou nele a marca da privatização fazendo o vínculo com o governo FHC. O golpe desnorteou a campanha de Alckmin, que passou mais de uma semana na defensiva.

Partidos
Para tentar neutralizar a ofensiva, Alckmin contava muito com o apoio do PDT, que lhe foi prometido pelo sindicalista Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força Sindical, eleito deputado federal por São Paulo. Mas a mercadoria não foi entregue, especialmente pela atuação do líder da bancada do PDT na Câmara, Miro Teixeira (PDT-RJ). Com o argumento de que o partido não poderia se prender a nenhum dos candidatos para não perder a identidade trabalhista, Miro convenceu dois terços da direção nacional do PDT a manter a neutralidade. Na reunião do Diretório, sofreu intensa oposição de Paulinho, que tentou desqualifica-lo dizendo: “Brizola me ligava todo dia para falar da expulsão do Miro”. Referia-se ao fato do líder do PDT não ter deixado o governo, do qual era ministro das Comunicações, quando o presidente do partido na época, Leonel Brizola, rompeu com Lula. Miro acabou deixando o PDT e o ministério. Passou pelo PT e pelo PPS e voltou ao PDT. A atuação foi decisiva para evitar que o PDT desse o antídoto do estigma da privatização a Alckmin.

A candidatura tucana também esperava se beneficiar na repartição dos votos dedicados à Heloísa Helena, candidata do PSol que ficou em terceiro lugar no primeiro turno com 6,85% (cerca de 6,5 milhões) do total dos votos. A cúpula do partido optou pela neutralidade e não apoio nem Alckmin nem Lula. Questões levantadas durante este segundo turno, como as privatizações, acabaram reaproximando eleitores do PSol do PT, contrariando as orientações da candidata, que chegou até a condenar a participação de seus correligionários na campanha de Lula. No último domingo (22), Heloísa Helena publicou um artigo na Folha de S. Paulo dizendo que "caso alguém queira comer o transgênico fruto podre do pomar alheio, poderá fazê-lo, pois punição não haverá, mas nós, que não somos cúmplices desse modelo, comemoraremos alegremente as vitoriosas sementes das futuras flores e frutos da nossa maravilhosa luta política". A liberação tardia foi um gesto para não ficar mais desmoralizada, já que havia fechado questão pelo voto nulo.

Fator Blairo Maggi
Também foi significativa a adesão do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, a Lula. Ele já tinha sido importante para evitar que o partido pelo qual foi reeleito, o PPS, fizesse coligação formal com o PSDB e o PFL para apoiar Alckmin. Maggi mostrou força nas urnas e também elegeu o senador de sua coligação, o ex-governador Jaime Campos, do PFL, seis dos oito deputados federais de Mato Grosso e 20 dos 24 deputados estaduais da Assembléia Legislativa estadual.

Empresário do agronegócio, o governador do Mato Grosso representa um setor que estava muito contrariado com o governo Lula desde o ano passado, por causa da crise na agricultura de exportação. Com ajuda do deputado Carlos Abicalil (PT-MT), ele conseguiu abrir espaço para se tornar um interlocutor privilegiado do setor junto ao governo federal. Acabou capitalizando uma negociação bastante favorável ao setor, que foi praticamente resolvida no curto prazo. Com isso, ganhou um bom discurso para defender o apoio a Lula no segundo turno. A negociação do setor agrícola para recompor as perdas que tiveram no início do Plano Real demorou cinco anos. Uma eternidade na comparação com os cinco meses de negociação com o governo Lula para solucionar a crise deste ano, potencializada a partir do Mato Grosso, com o movimento Grito do Ipiranga, que promoveu os "tratoraços" que se alastraram pelo País.

Outro argumento apresentado por Maggi para o apoio a Lula tem sido o de que, se o governo mudar, as negociações voltam à estaca zero. Na avaliação de Carlos Abicalil, o governador decidiu apostar numa relação mais ousada com o governo federal ao perceber que pode ocupar um espaço político estratégico. Não apenas pela interlocução com um setor importante da economia, mas também pela posição geopolítica estratégica do Mato Grosso, estado importante tanto na interligação sul-americana quanto na ligação do Norte com o Centro-Sul do País, que significa vultosos investimentos em infra-estrutura e logística.

A proximidade com Lula também contribui para que o governador reeleito não fique na dependência da interlocução de dois representantes das antigas oligarquias políticas do estado – os ex-governadores Jaime Campos (PFL) e Carlos Bezerra (PMDB) – que foram reabilitados nesta eleição pelas mãos do próprio Maggi. Eleitos senador e deputado federal, ambos já estão em campanha pela sucessão de Maggi, que perderia o controle desse processo se ficasse na dependência desses intermediários.