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A segunda morte de Vlado

A divulgação pelo Arquivo Nacional de 5 mil fotos do período ditatorial, antes inacessíveis, mostra que a Lei de Acesso à Informação está em plena vigência, mesmo com as inevitáveis resistências à sua implementação. Juntamente com a Comissão Nacional da Verdade, a Lei de Acesso à Informação inaugura um novo período na relação entre o poder público e os cidadãos. Não há mais segredos, e quem tentar mantê-los estará cometendo um crime.

Entre as fotos divulgadas, estão algumas de Vladimir Herzog, no necrotério do DOI-CODI do II Exército. As imagens escancaram a suprema infâmia praticada contra um homem por seus semelhantes, embora o termo “semelhantes”, no caso, seja passível de mil questionamentos.

De todas as vítimas dos abjetos torturadores e seus mandantes do regime militar, Vlado é a que mais me toca.

Trecho de artigo de Roberto Salomão. Leia a íntegra clicandono “mais

Ele era professor na minha escola, a ECA-USP, embora eu não o tivesse conhecido. Participei dos protestos contra seu bárbaro assassinato, como presidente do Centro Acadêmico.

Há, no entanto, aspectos específicos no assassinato de Vlado. Se toda tortura é hedionda, ela se torna ainda mais horrível quando incorpora o elemento da cilada. Chamado a depor no II Exército, Vlado lá se apresentou voluntariamente. E de lá nunca mais saiu com vida.

Penso também na foto fabricada pelos torturadores, e que se tornou a foto oficial durante décadas. A fraude não consegue esconder a realidade, e não me refiro aos detalhes técnicos: Vlado está entregue, Vlado é a imagem da extrema sujeição de um homem entregue a uma matilha de depravados.

As fotos agora tornado públicas aprofundam essa percepção. De um lado, a sanha maldita dos torturadores, de outro um homem completamente indefeso, vítima que se tornou um símbolo.

Mas… era isso que ele queria? Era isso que sua família queria? Seus filhos estão felizes com as novos fotos agora estampadas?

Quase todos os militantes torturados que conheci tinham, e têm, um grande pudor de exibir suas chagas. A tortura não é uma bandeira, embora sempre haverá os que usem essa condição como um passaporte para a eternidade. Imagino que a presidente Dilma tenha os mesmos escrúpulos.

O acesso a todas as informações por parte de todos os cidadãos é um direito absoluto. Vlado, porém, não merecia esta segunda morte.

*Roberto Salomão é jornalista e um dos coordenadores do Fórum Paranaense pelo Resgate da Verdade, Memória e Justiça