Arquivos

Categorias

A hora do abandono?

por José de Maria Correia, no Correio do Litoral

O fim do Carnaval e o início do ano letivo marcam ano após ano a debandada dos veranistas de nossas praias. As imensas filas de automóveis e ônibus descendo as serras e lotando as nossas cidades já fizeram o sentido inverso e a calmaria retornou às nossas ruas.

Os moradores que não dependem do comércio ficam aliviados com o fim da temporada na mesma proporção da preocupação dos que dependem das vendas.

Há uma aflição porém que acomete a todos nós e surge todos os anos nesta época, nos primeiros dias de março. A desativação dos serviços públicos essenciais e dos apoios operacionais prestados pelo governo do estado.

Com os veranistas sobem a serra também os policiais militares e civis, as viaturas, os guarda-vidas, os médicos, enfermeiros, ambulâncias e os encarregados da limpeza e varrição das praias e da orla.

Seria a temível hora do abandono? Respondo. Não necessariamente e a depender apenas da competência de nossos prefeitos e administradores.

Já houve época no passado em que nossos municípios praianos Pontal, Matinhos e Guaratuba dependiam em tudo do estado, em Matinhos por exemplo não havia hospital, existia somente um médico na cidade o Dr. Bacila e o delegado era calça curta, ou seja um leigo.

Também não havia uma delegacia decente e nem quartel do Corpo de Bombeiros.

Hoje tudo é diferente, temos hospitais com todos os equipamentos, muitas clínicas particulares, convênios com empresas tipo Unimed e Amil em todos os municípios, quartéis de bombeiros, ambulâncias tipo Siate e delegacias bem instaladas com delegados e policiais de carreira, além de juízes competentes e promotores de Justiça

Matinhos, que não possuía um único ônibus escolar hoje tem mais de dez em bom estado – somente em minha gestão adquiri oito – e nenhuma criança deve andar mais de duzentos metros para ir e vir da escola, todas uniformizadas e com material didático, indo e vindo para prédios novos ou reformados.

As administrações municipais desenvolveram-se muito, hoje tudo é informatizado, existem máquinas adequadas para manutenção urbana e mais de mil servidores públicos nas prefeituras de Matinhos e de Guaratuba, um pouco menos em Pontal.

As pergunta então são inevitáveis:

Por que com tantos equipamentos e servidores, depois da temporada fica uma imagem e sensação de abandono em nossas praias?

Por que não temos policiamento preventivo visível com rondas de viaturas e policiais nas ruas em pontos estratégicos ?

Por que as ruas dos bairros e balneários ficam cobertas de mato, cheias de lama, as praias deixam de ser varridas até dezembro e o lixo recolhido das areias com exceção daquelas do centro?

Sabermos que sobram recursos para essas ações tão simples.

Por que faltam médicos em plantões principalmente à noite e finais de semana para atendimentos emergenciai o que afugenta os idosos e pessoas de saúde mais frágil que pretendem morar em nossas praias e aqui gastar e fazer suas compras não apenas no verão?

A resposta é uma só e muito simples.

Falta de competência e gestão eficiente aliada a falta de capricho de servidores e fiscalização de prefeitos e secretários.

O prefeito é uma espécie de dona de casa dizia o Dr. Tancredo Neves, tem que cuidar ele mesmo da economia doméstica, da saúde dos filhos, dos deveres da escola, das refeições e da casa toda, não só do jardim, mas também do quintal, da sala e da cozinha.

Tudo com muito carinho, mas com disciplina e ordem, tarefa diária.

Seguindo essa linha elementar do sábio mineiro, quando fui prefeito em Matinhos instituí os mutirões semanais, não inventei nada, apenas adaptei o sistema que o prefeito Mauricio Fruet utilizou em 1983 em Curitiba, quando fui vereador e seu líder na Câmara, chamava-se na época OPERAÇÃO CONCENTRADA.

Mauricio Fruet ao contrário dos prefeitos que o antecederam e que só olhavam para o centro da cidade onde moravam os mais ricos, dirigiu a sua atenção para os bairros que nunca haviam recebido cuidados.

Todos os finais de semanas, dezenas de máquinas da prefeitura e centenas de operários, engenheiros, arquitetos, eletricistas e peões chegavam aos bairros afastados e passavam pelo menos dois dias arrumando ruas, roçando tudo, limpando valas e dando um trato geral na região onde mora o povão, foi o que adotei.

Em Matinhos eu fazia o MUTIRÃO todas as quintas feiras. Organizávamos a operação de segunda a quarta consertando máquinas, ferramentas, roçadeiras, tratores e assim às oito horas da manhã do dia marcado chegávamos, cerca de duzentos trabalhadores comandados por mim e pelos secretários, diretores e todos os cargos comissionados e chefias e íamos à luta.

A população e a comunidade já sabiam, nos esperavam ansiosas, todos tinham sido convocados uma semana antes para uma reunião prévia onde apontaram o que pretendiam, e um foguetório matinal acordava os que ainda estavam dormindo e o carro de som anunciava o início dos trabalhos.

Tudo aparentemente simples, mas que exige certa logística, nada de amadorismo.

Acabei com o hábito de morador ter que pedir atendimento ao vereador para ser atendido, uma forma de tráfico de influência e intermediação.

Função de vereador é legislar e fiscalizar, muito mais fiscalizar porque leis já temos de sobra precisam é ser cumpridas rigorosamente, somente as justas e corretas, claro.

Os engenheiros faziam o levantamento prévio com o mapa da região, as ruas eram esquadrinhadas e visitadas antes, nada podia ser deixado de lado, questões de enchentes, esgotos, lama, buracos, manilhas, sinalização, falta de iluminação pública, tudo tinha que ser resolvido.

Para animar a equipe, às sete horas da manhã tomávamos um café da manhã bem guarnecido na garagem com sanduíches frutas e bolachas, vestíamos camisetas, bonés e uniformes e cantávamos o Hino Nacional na primeira rua em que os trabalhos iniciariam.

Consultas médicas e check ups eram feitos para todos os moradores, alguns em casa mesmo, levávamos o odonto móvel e distribuíamos escovas e pastas de dente, cabeleireiros eram voluntários e atendiam de graça os interessados, literalmente fazíamos barba, cabelo e bigode para todos e todas.

As crianças eram dispensadas das escolas locais em grupos para consultas médicas e dentárias e os advogados atendiam gratuitamente todas as questões e davam pareceres e elaboravam requerimentos. Havia recreação, esporte, capoeira e jogos infantis.

Quando terminávamos a tarefa na tarde de sexta feira, o trabalho que havia iniciado com a reunião preliminar da comunidade completava uma semana e a aparência era outra, estava tudo roçado, escolas pintadas, tudo consertado, população atendida e satisfeita.

Na segunda feira já estávamos reunindo outra comunidade e assim realizamos 63 mutirões em 22 meses indo de Caiobá até Praia de Leste, do Mangue Seco ao Tabuleiro e da Vila Nova a Praia Central nada podia ser esquecido ou deixado de lado.

Esse nosso trabalho magnífico que realizei inspirado nas ações de Mauricio Fruet na década de 1980 serviu de modelo para o grande programa – Operação Paraná em Ação que o Governo do Paraná iniciou com Requião e depois Beto Richa teve a sensatez e a responsabilidade de dar prosseguimento, continua firme, inclusive com o mesmo coordenador o Marcírio, em todas as cidades.

A população de Matinhos anseia pela continuidade dos mutirões na mesma forma e com a mesma intensidade e continuidade de antes, não importa que nome venha a receber e o que está sendo feito hoje, uma meia-sola está muito longe daquele modelo que deixamos, os meios existem, o orçamento hoje é maior assim como aumentou o número de servidores, basta a vontade política que espero surja também em Guaratuba.

Com relação às QUESTÔES DA SAÚDE e da SEGURANÇA já avançamos com a reforma dos hospitais e a instalação do magnífico Hospital Regional do Litoral, em Paranaguá, mas ainda patinamos na metodologia e rotina à ser estabelecida para casos mais graves fora da temporada e sobre isso falo em outro artigo.

Já sobre a SEGURANÇA o prefeito de Matinhos dispõem de uma excelente GUARDA MUNICIPAL criada e instalada por mim, assim como a de Curitiba e com um ótimo efetivo, equipamentos e até câmaras de vigilância que mandou colocar nas ruas acertadamente .

Porém o que está prevalecendo hoje é uma orientação bastante equivocada que limita e restringe a atuação a guarda e vigilância dos edifícios municipais, tarefa mais própria de guardiães do que de guardas e sobre isto também falarei em outra matéria.

Não sou e nem me julgo o dono da verdade e tampouco um crítico impiedoso, porém como gestor público com dezenas de anos de experiência tenho o dever de orientar os que me sucederam e escrevo sempre de forma construtiva pregando ações e esperando resultados.

Também mesmo sabendo que há os que ficam irritados com as colocações, não posso deixar de reproduzir neste espaço generoso o que ouço das vozes das ruas e nem admitir que a partir do dia primeiro de março as atenções dos administradores fiquem limitadas a um pequeno espaço do centro das cidades e das praias centrais a espera do retorno das ações do governo do estado.

Aos que se sentem admoestados cito a recomendação de Santo Agostinho, o maior intelectual da Igreja Católica:

“Prefiro as vozes dos que me criticam porque me corrigem do que as daqueles que somente me adulam, porque esses, os áulicos, ao invés de me corrigirem me corrompem .”

Portanto prefeitos, ânimo, nada de abandono por conta da volta do governo em dezembro, nossa gente quer que as cidades e as praias tenham os mesmo cuidados e a mesma aparência o ano todo, aí teremos também mais moradores, animação, prosperidade e contentamento.

Vamos ao trabalho.

[email protected]