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A inoperância das CPIs

Reportagem de André Gonçalves, correspondente da Gazeta do Povo, mostrou a inoperância e improdutividade dos resultados das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) criadas pelo Congresso Nacional. Segundo a matéria, o Congresso lança uma CPI a cada dois meses, mas só metade é produtiva.

Gonçalves relata na reportagem que, ao começar a apurar a ligação de políticos com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o Congresso Nacional chegou à criação da 66.ª CPI ao longo dos últimos dez anos.

Apesar da média de uma CPI a cada dois meses, apenas 31 geraram um relatório final no período e outras seis ainda estão em funcionamento. Sem a aprovação do documento, que cobra formalmente providências judiciais como o indiciamento de investigados, o trabalho perde eficácia.“CPI não condena ninguém, apenas mostra o caminho para que isso ocorra. E se não há a produção de um relatório final, nem isso ela faz”, aponta o cientista político da Universidade de Brasília Valdir Pucci. Parte disso decorre das manobras do Poder Executivo para controlar as investigações e evitar desgastes políticos.

Apesar de as CPIs serem constitucionalmente um instrumento da minoria (é necessário o apoio de apenas um terço dos parlamentares para abri-las), são os partidos com maioria que controlam os principais postos.

Na CPI mista (CPMI) do Cachoeira, por exemplo, coube ao PMDB (dono da maior bancada do Senado) indicar o presidente e ao PT (partido com mais cadeiras na Câmara) escolher o relator. “Um governo com uma maioria esmagadora como o que temos hoje tem força para inviabilizar qualquer investigação”, cita Pucci.

Relator da CPMI dos Correios, que investigou o escândalo do mensalão entre 2005 e 2006, o deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR) explica que o encerramento de uma comissão sem um relatório transforma toda a investigação em uma “caixa-preta”. Ele lembra que, em 2005, tentou sem sucesso ter acesso aos dados da CPI do Banestado, conduzida pelo Senado.

“Chegamos a recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para conseguirmos rever algumas informações, mas não conseguimos. Tudo o que foi levantado durante o caso Banestado está lacrado no Senado”, diz o parlamentar. Já o relatório da CPMI dos Correios ajudou a nortear o inquérito que levou ao indiciamento de 36 envolvidos no mensalão, cujo processo deve ser julgado em junho pelo STF.

Sufocamento

A prática governista de “sufocar” as comissões, apesar de ter se intensificado nos últimos anos, é antiga e constante, segundo estudo desenvolvido em 2005 pela Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado.

A pesquisa comparou a produtividade das CPIs criadas apenas na Casa ou mistas (sem levar em consideração as da Câmara) a partir de 1975. Durante o período militar (1975-1984), o índice de CPIs geradas que chegaram a um relatório final foi de 57%.

Durante o governo José Sarney (1985-1989), a porcentagem ficou em 54%. No de Fernando Collor de Mello (1990-1992), 58%, no de Itamar Franco (1992-1994), 36%, e no de Fernando Henrique Cardoso, 42%. Uma atualização posterior ao estudo referente somente à gestão Lula (2003-2010) revelou a menor produtividade entre todos os períodos avaliados: 30%.
Irregularidades

Ainda de acordo com o estudo do Senado, as irregularidades na administração pública foram o principal tema das CPMIs e CPIs da Casa criadas entre 1975 e 2005. Foram 40 comissões sobre o assunto, enquanto outras 24 trataram de crises e irregularidades no sistema financeiro, sete sobre conflitos agrários e apenas duas sobre denúncias que afetavam o Poder Judiciário.

Excesso de sigilo para esfriar casos

Membro de sete CPIs realizadas nas últimas três décadas pelo Congresso Nacional, o senador Alvaro Dias (PSDB) diz que a política de sigilo no manuseio dos documentos que se referem à CPMI do Cachoeira é “ridícula”. “Além de os governistas quererem conduzir a comissão como bem entendem, agora tem essa de exigir que os senadores se comportem como se estivessem visitando o próprio Cachoeira no presídio da Papuda”, reclamou.

Na semana passada, o STF encaminhou ao Congresso o inquérito da operação Vegas, da Polícia Federal, que aborda as relações do bicheiro com políticos. Por determinação do presidente da comissão, Vital do Rêgo (PMDB-PB), o material está guardado em uma “sala-cofre” e só poderá ser acessado pelos 32 membros da CPMI a partir de hoje. Todas as movimentações no recinto são registradas por câmeras e os parlamentares não estão autorizados a entrar com aparelhos eletrônicos para evitar a reprodução dos documentos. Além disso, as anotações só podem ser feitas manualmente.

Segundo Alvaro, essa é uma tentativa de esfriar a comissão logo no começo. “Se a imprensa se desinteressa pelas informações levantadas, a CPMI morre naturalmente”, complementa.

O tucano também ressalta que o aspecto mais importante da investigação parlamentar não é necessariamente a produção de um relatório final, mas a capacidade de levantar irregularidades que podem ser imediatamente aprofundadas pela imprensa e, depois, pela polícia e pelo Ministério Público. “Por isso dá para perceber que essa história do sigilo é uma nova tentativa de desviar o foco. Cada vez mais o governo usa a sua maioria esmagadora para dominar as CPIs de todas as formas.”

 

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