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Quando o paraíso está em chamas

Daniela Valiente
Gazeta do Iguaçu

“Um acerto de contas, um ritual de purificação”, assim Jamil Snege definiu o “Paraíso em chamas”, obra do jornalista Fábio Campana, relançada pela Travessa dos Editores este mês. Mantida em sua essência, e modificada em alguns detalhes. O prefácio de Snege, datado de 1994 foi mantido pelo escritor, por representar uma impressão fiel do trabalho que registra a volta à poesia. “Um ritual de purificação de quem voltava à poesia e à literatura depois de uma trajetória que foi dos infernos da prisão na ditadura militar ao conforto do poder naqueles anos”, explicou campana, por e-mail.

Para ele, a reedição traz a mesma essência derramada durante a primeira publicação, mas acertos no conteúdo, não retiram seu poder quase sanguíneo. De amores perdidos, a lembranças, a cidades onde viveu, Paraíso, é quase uma caixa de confissões. “Decidi republicá-lo, mas com uma revisão, uma reescritura, que não modifica a essência, mas apara a linguagem”.

Em meio às mudanças há poemas novos incluídos, como “Restos Morais”. Outros foram excluídos, mas não devem ser esquecidos. “Porque decidi reorganizar o livro e dar unidade a ele, e os excluídos, reescritos, retrabalhados, devem estar em outro livro”.

As divisões estabelecidas , soam como capítulos de uma história, mas organizam um fio condutor que segundo o escritor identificam uma postura diante da existência, “e o meu inconformismo, minha maneira de estar no mundo”. Cantos, Cantigas, Quadras e outras e Cidades / Cenários trazem revelações e descobertas, não de algo novo, mas de um despertar. Passados 20 anos, isso ainda encanta. “Os sentimentos, a visão do mundo, isso tudo permanece e creio que isso explica a sobrevivência desses poemas por duas décadas. Mudou algo na linguagem, mais apurada. O desencanto com o mundo só se aprofundou”, comenta.

Para o poeta, autor dos romances “O Guardador de fantasmas”, “Ai” e “O último dia de Cabeza de Vaca”, a poesia tem lugar cativo. “Poesia você não escolhe, creio que ela te escolhe Exige uma postura diante do mundo, um estranhamento, uma necessidade de expressar o que te espanta em linguagem concentrada, em poucas palavras dizer o mundo”.

Cenários

Com a representação fiel de sentimentos, os poemas de Campana, também estão repletos de lembranças ligadas a Foz do Iguaçu e Curitiba. “Foz do Iguaçu é a primeira geografia, a origem, o berço, o lugar onde formei até os 13 anos e, mesmo depois, com vínculos inquebráveis, a base do que sou hoje. Tenho em minha cabeça uma Foz do Iguaçu mítica, anterior a esta, de que tenho saudades, se é que ela existiu verdadeiramente ou é apenas o meu imaginário. Curitiba é a cidade onde vivo, com alguns intervalos, desde que saí de Foz. Aqui estudei, me formei, briguei, escrevi. É a segunda camada fundamental da minha existência. Sou o que essas duas cidades fizeram de mim”.

Versos dedicados a Foz podem ser lidos em “Primeira Coreografia”, onde escreve; “Foz dos sonhos, Foz dos cios da juventude/ A cidade desapareceu devorada por nuvens de gafanhotos modernos”.

“Paraíso em chamas” bem poderia ser o purgatório de muitos que elegeram a poesia como linguagem fiel da realidade. Para Campana, ela resiste e representa sua “última ração de tempo”.