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“Minha biografia não combina com covardia”, diz Clayton Camargo

por Estelita Hassa Carazzai, do UOL

Com a aposentadoria suspensa pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e alvo de investigações no mesmo órgão, o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, Clayton Camargo, negou que tenha tentado fugir de punições administrativas.

“Jamais. A minha biografia não combina com nenhum gesto de covardia”, afirmou Camargo à Folha. “Ao contrário, eu faço questão que tudo isso vá até o final.”

O desembargador é investigado há cerca de dois anos pelo CNJ, sob suspeita de tráfico de influência e venda de sentenças. As sindicâncias correm em sigilo. Na segunda-feira (23), ele pediu aposentadoria –três anos antes do limite para a parada compulsória, num gesto que surpreendeu os colegas. Camargo, 67, assumiu a presidência do TJ-PR há somente sete meses. Seu mandato iria até o fim de 2014.

Na avaliação do Ministério Público Federal, que pediu a suspensão da aposentadoria, Camargo tentava fugir de uma eventual punição do CNJ. No final de agosto, o desembargador havia sido notificado de que o órgão vai definir em outubro se abre ou não um processo administrativo disciplinar contra ele.

Em entrevista à Folha, o desembargador, que ainda ocupava a sala da presidência do TJ-PR na manhã desta terça-feira (24), disse que nada o impedia de se aposentar. Afirmou que vai cumprir a decisão do CNJ, mas a criticou por ser “unilateral” e informou que vai recorrer, possivelmente ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Ele diz que quer se afastar “por questões de saúde”: há duas semanas, teve uma crise de angina em plena sessão de julgamento. Foi submetido a uma angioplastia e colocou três stents no coração.

No mês passado, Camargo entrou com um processo contra o jornal “Gazeta do Povo”, o maior do Paraná, que veiculou reportagens sobre as investigações. Seu pedido conseguiu censurar o veículo, que teve de tirar do ar todas as notícias a respeito do assunto e foi impedido de publicar novas reportagens sobre o caso.

Depois da repercussão, ele desistiu do processo e a decisão judicial que censurou o jornal se tornou nula.

Por enquanto, como não está aposentado, Camargo ainda exerce a presidência do TJ-PR. Novas eleições foram convocadas para 3 de outubro.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

MOTIVO DA APOSENTADORIA
Eu estou com minha saúde abalada. Tive angina, o que comprometeu três artérias. Fui submetido a uma angioplastia e implantei três stents. Estou me recuperando, sou um homem saudável. Mas o meu médico não me autorizou a retornar ao trabalho. Mandou reduzir minha carga horária para seis horas diárias, no máximo. Eu sempre fui de chegar aqui às 8h e sair às 22h. Eu senti que era preferível [me aposentar]. Eu não teria condições de fazer o expediente que eu faço normalmente. O nosso papa [Bento 16] abdicou do papado porque achou que não estava mais em condições. E eu acho que não estou mais em condições físicas de permanecer na presidência do TJ-PR.

DIREITO
Eu formulei o pedido de aposentadoria voluntária por contar com mais de 50 anos de serviço público, prestados ao Ministério Público e ao Poder Judiciário do Estado do Paraná. Esse pedido foi regularmente processado, instruído, documentado, amplamente discutido e aprovado. É um direito que eu tenho. [Sobre a resolução do CNJ que estabelece que magistrados alvos de processos administrativos só podem se aposentar após a conclusão do procedimento] Sindicância não é processo. Portanto, nada impedia que o TJ-PR apreciasse o meu pedido de aposentadoria.

FUGIR DE PUNIÇÃO
Jamais. Ao contrário. Eu faço questão que tudo isso vá até o final. A minha biografia não combina com nenhum gesto de covardia. O pedido de aposentadoria não tem nada a ver, não vai obstar [a investigação]. Tudo isso que o CNJ está reportando são inquéritos. Inquéritos! Foram instaurados em decorrência de, não vou nem dizer denúncias, mas acusações feitas por particulares. Que têm que ser apuradas. Eu disse e reafirmo: eu vou ser absolvido.

RECURSO
Vou recorrer, seguramente. Porque eu acho que o CNJ não é um tribunal. É um colegiado que trata da apuração de atos administrativos. Tribunal competente para isso é o Superior Tribunal de Justiça [STJ] e o STF. Foi uma decisão administrativa, unilateral, do ministro [Francisco] Falcão [corregedor nacional de Justiça]. É um magistrado, como qualquer outro. Recorrer dentro do CNJ é perda de tempo, porque lá eles não examinam, eles prejulgam. Acho que a corte máxima, isenta, é o STF.