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A justiça segue em frente

A justiça segue em frente

Carlos Fernando dos Santos Lima

Agora que o julgamento sobre a existência dos crimes contra Luiz Inácio Lula da Silva está encerrado, pois não cabe mais qualquer recurso —salvo embargos de declaração, que não têm o condão de mudar a condenação— quanto aos fatos e às provas da ocorrência dos crimes e de sua autoria, sinto-me mais tranquilo para poder falar das tentativas de politizar um julgamento que é, e sempre foi, apenas e unicamente criminal.

Politizar processos criminais sempre foi uma técnica de defesa usada por políticos. Assim foi com o ex-premiê da Itália Bettino Craxi (1934-2000) na operação Mani Pulite, assim foi com o também ex-premiê italiano Silvio Berlusconi com as investigações de seus relacionamentos com menores e a nomeação de suas “amigas” para cargos na administração italiana; bem como com o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy com as acusações de corrupção e tráfico de influência.

Sem adentrar em controvérsias sobre a ética de imputar falsamente ao Ministério Público e ao Judiciário motivações políticas em seus atos, vamos aceitar isso como uma estratégia de defesa que um sistema judicial democrático, tapando o nariz, deve tolerar.

Entretanto vi muitas manifestações de outra espécie nos jornais, inclusive de jornalistas e articulistas respeitáveis, clamando por um julgamento de Luiz Inácio Lula da Silva pelas urnas, e não pela Justiça, quanto às acusações de corrupção e de lavagem de dinheiro agora confirmadas.

Estranhamente usaram o argumento democrático para embasar suas conclusões, não percebendo que é justamente a defesa da democracia e da República, dois conceitos fundamentais de nossa Constituição, que força a conclusão em sentido oposto.

Ao usarem esses argumentos, aproximaram-se daqueles que dão aos atores políticos o privilégio de serem julgados diferentemente dos demais brasileiros. Esse tipo de raciocínio, errado por pressupor desconfiança do sistema de justiça, é a base do silogismo que justifica o foro privilegiado, por exemplo. Trata-se, enfim, da definitiva politização (pela deslegitimação) da Justiça.

É claro que se podem trazer outras soluções para o sistema de Justiça, como é a opção dos americanos pelo tribunal do júri para casos criminais. Quem sabe devêssemos discutir —se é para trazer o povo mais perto das decisões judiciais— uma ampliação da competência do tribunal do júri para crimes contra a administração pública.

Entretanto, pelo nosso sistema constitucional atual, crimes devem ser julgados pela Justiça criminal. Respeitar essa regra, sem olhar quem está sendo julgado ou o tipo de crime que foi cometido, é o que se espera de um país democrático. E a capacidade de levar adiante um julgamento com todo o cuidado e a observância das regras processuais, como foi feito, é sinal de respeito ao Estado de Direito.

Luiz Inácio foi julgado conforme a lei, e sua defesa teve acesso a todo o arsenal jurídico imaginável —segundo um jornal, chegou a manejar um recurso a cada três dias de processo, e é isso que se espera da Justiça. Não houve obrigação de condenar ou absolver. Os fatos foram analisados, e o convencimento dos juízes se formou, motivadamente, sobre eles.

Não se julgou a figura histórica de Luiz Inácio Lula da Silva ou a sua possibilidade de se candidatar à Presidência da República nas próximas eleições. Apesar de todas as tentativas de colar a etiqueta de politização ao processo, ao final prevaleceram os fatos.

Quanto à democracia brasileira, ela vai bem melhor agora que nenhuma tentativa de usá-la para justificar um tratamento diferenciado deu resultado. República pressupõe igualdade entre cidadãos. Democracia exige respeito às regras do jogo eleitoral. A justiça foi feita. Que venham recursos sobre questões de direito e que sejam julgados devidamente. Quanto às próximas eleições, que Deus nos dê sabedoria.

Carlos Fernando dos Santos Lima é procurador da República e membro da força-tarefa da operação Lava Jato no Paraná